O capítulo 17 do Evangelho de João é
dominado pela palavra-chave “glorificação”. Com esta palavra-chave oferece não somente
a mensagem central do cap.17, mas do evangelho todo; digamos, a angulatura própria,
bastante diferente da tradição comum, a ponto de tornar-se enigmática a recepção
do quarto evangelho no cânon. O tema da glória, e daí o evangelho todo, já é
expresso em 1.14. Mas o centro deste versículo não é: “O Logos se fez carne” e
sim: “Nós vimos a sua glória”. O interesse não é a encarnação, que também não precisa
ser concebida como paradoxo. O interesse está na “Glória” que preexiste e permanece
presente e imutável também na encarnação. A carne é, no fundo, somente o
invólucro. O mundo terreno no qual era necessário o Logos se inserir para se
mostrar a nós é o teatro da presença da manifestação da glória, mas de toda
maneira nada mais que um lugar que lhe permanece estranho e substancialmente indiferente.
Esta ótica acompanha e dirige inteiramente o modo como João concebe a história
do Logos. Tomemos a Paixão: Cristo continua livre diante da Paixão, ele arreda
os seus inimigos; tal não é a reação de uma pessoa normal. Conforme João, a paixão
não seria aquilo que merece a glorificação, como em Paulo. Para João, a glória
já está presente durante a Paixão; a paixão é a manifestação da glória. É o modo
como a glória se manifesta numa situação de contradição, numa situação que não lhe
é própria, que é estranha ao divino. Do mesmo modo concebe-se a obediência de Cristo:
não recebeu a glória porque obedeceu, mas obedeceu porque tinha a glória.