sábado, 22 de junho de 2024

574 - Docetismo em João.

 


O capítulo 17 do Evangelho de João é dominado pela palavra-chave “glorificação”. Com esta palavra-chave oferece não somente a mensagem central do cap.17, mas do evangelho todo; digamos, a angulatura própria, bastante diferente da tradição comum, a ponto de tornar-se enigmática a recepção do quarto evangelho no cânon. O tema da glória, e daí o evangelho todo, já é expresso em 1.14. Mas o centro deste versículo não é: “O Logos se fez carne” e sim: “Nós vimos a sua glória”. O interesse não é a encarnação, que também não precisa ser concebida como paradoxo. O interesse está na “Glória” que preexiste e permanece presente e imutável também na encarnação. A carne é, no fundo, somente o invólucro. O mundo terreno no qual era necessário o Logos se inserir para se mostrar a nós é o teatro da presença da manifestação da glória, mas de toda maneira nada mais que um lugar que lhe permanece estranho e substancialmente indiferente. Esta ótica acompanha e dirige inteiramente o modo como João concebe a história do Logos. Tomemos a Paixão: Cristo continua livre diante da Paixão, ele arreda os seus inimigos; tal não é a reação de uma pessoa normal. Conforme João, a paixão não seria aquilo que merece a glorificação, como em Paulo. Para João, a glória já está presente durante a Paixão; a paixão é a manifestação da glória. É o modo como a glória se manifesta numa situação de contradição, numa situação que não lhe é própria, que é estranha ao divino. Do mesmo modo concebe-se a obediência de Cristo: não recebeu a glória porque obedeceu, mas obedeceu porque tinha a glória.


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Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.