sábado, 23 de fevereiro de 2019

449 - “Temor por toda vida”. Jürgen Moltmann





Devemos viver mais modestamente
  
O pensador líder de uma teologia ecológica, Jürgen Moltmann, exige a conversão à reverência por toda a vida. O homem não é a coroa da criação, mas parte dela. 30 anos depois de sua “Teologia da Esperança”, Jürgen Moltmann exige uma “espiritualidade da vida”. Uma conversa sobre as esperanças apesar da catástrofe - e da morte.

Professor Moltmann, você alertou sobre o desastre ecológico há 30 anos e pediu a conversão. Agora a destruição global continuou sem controle. Você ainda tem esperança pelo mundo?
Jürgen Moltmann: Minha esperança é dirigida a Deus, o Criador. Mas também em pessoas que se tornam racionais e sábias. Um sinal disso é a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2015, em Paris, na qual todos os estados concordaram com um tratado de proteção climática. Esta foi a primeira vez que as Nações Unidas ouviram o grito da terra. Esse pensamento responsável prevalecerá apesar do atual desenvolvimento nos EUA. E assim espero que a terra sobreviva.

O que teria que acontecer para a terra sobreviva?
Moltmann: Deve haver uma reversão no pensamento: longe da pretensão de dominar o mundo das pessoas para a integração, para cooperar com as forças da natureza e as outras formas de vida. No paradigma moderno do mundo, o homem estava no centro e a terra deveria ser subjugada. Mas a terra é mais do que o domínio do homem. A terra é produtiva de acordo com o entendimento bíblico. Ela traz vida e o homem depende das outras formas de vida. Humanos não existiriam se as árvores, as plantas e os animais não existissem. Temos que devolver nossos próprios interesses, porque o bem comum da terra tem precedência.

O cristianismo é responsável pela destruição da natureza? Afinal, diz-se que o homem deve subjugar a terra ...
Moltmann: Não, o cristianismo não é o culpado. É a imagem do homem da Renascença que vê o homem como o centro do mundo e o vê como sua missão de subjugar a terra. Mas o mundo moderno nasceu há 400 anos, através da colonização de países africanos e sul-americanos e da ascensão da ciência e tecnologia. Isto foi interpretado como o cumprimento da promessa bíblica de que o homem tem uma posição especial no cosmo e que a terra está sujeita a ele. As interpretações bíblicas são sempre guiadas por interesses. E os interesses do paradigma moderno são óbvios. Mas na antiguidade e na Idade Média o homem não foi tão entendido

Então, a Bíblia não vê o homem como a coroa da criação e “governante” sobre a terra?
Moltmann: A coroa da criação não é o homem, mas o sábado. Deus coroou toda a sua criação criando e restaurando o sábado. As leis do sábado são usadas para garantir o futuro do país: a cada sete anos a terra deve ser vendida para que o país celebre seu grande sábado para o Senhor. Essa é a religião da terra. E você não deixa isso impune.
Hoje precisamos de um sábado para a terra, um sábado para o mar e um sábado para os ares, para que a terra se torne fértil novamente, a vida no mar se recupere e o ar se torne novamente limpo.

Vamos criar o paraíso na terra hoje?
Moltmann: Nossa esperança é para a nova terra em que a justiça vive. A nova criação começou com Cristo. O novo céu e terra profetizados por Isaías é uma terra sem matar e morte. Isso nos obriga a minimizar nossos atos de violência contra a terra e contra a vida e para garantir justiça e justiça na Terra - não apenas entre os humanos, mas também entre os seres humanos e os animais e entre os seres humanos e a Terra.

Como esse compromisso com a lei da terra poderia ser concreto?
Moltmann: Dois dos meus netos são veganos. Devemos reduzir o consumo de carne e principalmente o consumo de plástico. Devemos viver mais modestamente, ser menos consumistas e nos encontrarmos vivendo vidas mais felizes.

Precisamos de uma “reforma verde” na igreja? Como isso poderia parecer?
Moltmann: A espiritualidade dos cristãos é direcionada para a alma e o céu, expressa mais claramente na oração dizendo “Querido Deus, faça-me justo, eu vou para o céu”. A terra não ocorre. Se sou um “convidado na terra”, como cantou Paul Gerhardt, não sou responsável pela pousada. Precisamos de uma espiritualidade dos sentidos e da vida. Porque o Espírito Santo é derramado sobre toda a carne quando celebramos o Pentecostes. E            “carne” significa “vida”. Precisamos de uma nova reverência por toda a vida.

Será que essa abertura para toda a terra também significa uma abertura para a comunhão com as outras religiões?
Moltmann: Poderia criar uma comunidade inter-religiosa dos misericordiosos. Os salmos falam da grande misericórdia de Deus, o Novo Testamento vê em Jesus a personificação da grande misericórdia de Deus, e um dos mais importantes nomes de Deus no Islã é “o Todo-misericordioso”. No budismo, isso é chamado de “Karuna” - misericórdia não apenas com pessoas miseráveis, mas também com a natureza.

Com a morte, cada pessoa tem sua queda pessoal diante dele. Você tem medo da morte?
Moltmann: Eu não tenho medo da morte. Morrer pode ser desconfortável, mas a morte não me assusta. Eu espero pela ressurreição dos mortos. Imediatamente após a morte, a alma desperta para a vida eterna.

Toda a criação fará parte disso?
Moltmann: A nova terra será nova em uma extensão sem precedentes. Mas todos os seres vivos são criados para a esperança e nenhum deles está perdido.


Fonte: https://www.sonntagsblatt.de/artikel/glaube/theologe-juergen-moltmann-ehrfurcht-vor-allem-leben

448 - Apocalipse: Gênero e Origem. David Rubens de Souza



Os apocalipses cristãos representam um gênero literário de origem judaica. O cristianismo primitivo manifestou sua fé escatológica em grande parte nas categorias e formas da apocalíptica judaica. 

Denominação e Conceito
Com a expressão “apocalíptica”, uma expressão criada por F. Lücke (1791-1855), que designa duas coisas:
1 – O gênero literário dos apocalipses, isso é, escritos revelacionistas, que manifestam mistérios futuros e transcendentes;
2 – A concepção de mundo da qual procede a literatura.  
A denominação desse gênero literário como “apocalipses” remonta à antiguidade da Igreja. Ela é derivada das palavras iniciais do apocalipse neotestamentário de João (apocalipses de Jesus Cristo que Deus lhe deu, a fim de mostrar a seus servos o que deverá acontecer em breve 1.1).

Não se pode demonstrar a ocorrência de “apocalipse” como título de livro ou designação de gênero em época pré-cristã.
·As obras caracterizadas como “apocalipses” não tem uma autodesignação uniforme em sua origem.
·Não existe nenhuma unanimidade sobre como definir “apocalíptica” quanto ao conteúdo.
Essas obras literárias surgiram no decorrer de mais de 300 anos.

Os apocalipses judaicos mais importantes
1 – Daniel (época dos Macabeus);
2 – Assunção de Moisés (início da era cristã);
3 – 4 Esdras (após a destruição de Jerusalém, 70 d.C.);
4 – Baruque sírio (132 d.C.);
5 – Enoque etíope, cujas partes mais antigas são mais velhas que Daniel, as partes mais recentes são do séc. I a.C.).

Características literárias
Embora não se possa “determinar uma lei formal válida para todos os apocalipses”, repetem-se na maioria dos apocalipses judaicos determinadas peculiaridades formais, que devem ser consideradas como elementos estilísticos desse gênero literário.
Ø     Pseudônimo: O apocalíptico não escreve sob seu próprio nome, e, sim, sob o nome de um dos grandes do passado (Daniel, Moisés, Esdras, Enoque, Adão, etc.).
Ø     Relato de Visões: O modelo pelo qual o apocalíptico recebe suas revelações é, na maioria das vezes, a visão, mais raro a audição. Por isso os apocalipses se apresentam como relato de visões. A visão pode ocorrer no êxtase ou em sonho. Muitas vezes o visionário é arrebatado ao mundo celestial. Ocasionalmente faz o relato sobre sua visão pouco antes de sua morte; nesse caso, o apocalipse aparece na forma de um discurso de despedida.
Ø     Linguagem figurada: O que é visto é figura: ou figura que representa diretamente os próprios acontecimentos, ou figura que descreve os acontecimentos indiretamente, na forma de símbolos e alegorias. As figuras procedem do reino da natureza (animais ou plantas; nuvens e temporais), ou também da arte (a estátua de Dn 2).
Ø     Decodificação: Os apocalipses contêm muitas vezes reflexões sobre o significado das figuras. Raras vezes a compreensão fica a cargo do próprio visionário (visão de animais), na maioria das vezes ela lhe é proporcionada por meio de um mediador da revelação, com frequência por meio de um ou vários anjos-interpretes, ou pelo próprio Deus.
Ø     Sistematização: Um traço característico dos apocalipses consiste na tentativa de sistematizar a pluralidade dos fenômenos por sistemas ordenadores, especialmente números. Com o conhecimento da secreta ordem do mundo demonstram sua sabedoria dada por Deus.
Ø     Panorama da História em forma de futuro: O interesse dos apocalípticos volta-se, em primeiro lugar, para os iminentes acontecimentos escatológicos, para os horrores do tempo final e a glória do novo mundo. Esse interesse, porém, não levou apenas à predição dos acontecimentos futuros, e, sim – em virtude da antecipação fictícia – produziu resumos da História em forma de futuro.
Ø     Descrição do além: Visão do mundo do além. Para isso se recorre a descrição de arrebatamentos visionários. Em um êxtase, o visionário passa por mudanças de lugar e perambula por regiões estranhas e misteriosas na terra e no céu. Transmitem conhecimentos sobre a topografia do céu e do inferno, sobre hierarquia dos anjos, astronomia, etc., conhecimentos não acessíveis de outro modo.
Ø     Orações: A relação dos apocalipses com os problemas existenciais da vida se torna mais clara nas numerosas orações que se encontram em todas essas obras. Às vezes a oração tem a função de pedir a interpretação do que foi visto, tem a tarefa de desdobrar as perguntas que atribulam o visionário quando contrasta a relação de promessa divina e realidade histórica, para isso visão e interpretação dão a resposta. Ao lado de prece e lamento encontram-se também orações de gratidão e louvor.
Ø     Dualismo dos dois éones: O traço fundamental essencial da apocalíptica é o dualismo que se manifesta do modo mais claro em sua versão da doutrina dos dois éons: O velho mundo tem que desaparecer antes que se possa manifestar o mundo de Deus. Deus promete ao homem piedoso parte no novo éon.

Concepção de mundo
Universalismo e individualismo: O presente éon é considerado o éon mau. Apesar da soberania de Deus, ele é dominado por Satanás e seus poderes do mal, e marcado por crescente degeneração física e moral.
O visionário não sabe mencionar a data exata do fim; mas tem a certeza de que o fim virá em breve. Ele aponta para os sinais do tempo e conclama os leitores para estarem preparados para o fim, não porém, para calcularem o fim.
Nos detalhes, encontra-se uma grande variedade. Na concepção das pessoas salvíficas: a salvação pode ser efetuada por Deus e seus anjos, mas também pode ser efetuada pelo Messias ou pelo Filho do Homem. 

Origem
A pergunta histórico-religiosa pela origem de seus elementos estruturais e motivos leva a todas as esferas do Oriente Próximo:
Ø O dualismo dos dois éons, o contraste de Deus e Satanás, a doutrina dos anjos e dos demônios bem como a crença na ressurreição levam ao Irã;
Ø A doutrina dos quatro reinos leva através de Hesíodo a Zaratustra e à Índia;
Ø Resumos históricos na forma futura encontram-se no Irã e no Egito; 
Ø A descrição do mundo inferior lembra a cultura grega, astrologia e especulações com números são importados da Babilônia e o ano solar é importado do Egito.
Ø Fenômeno sincretista: A apocalíptica é um produto importado do período helenista, no qual várias influências culturais se cruzam na Palestina.

Relação de Jesus com a apocalíptica
Johannes Weiss: Primeiro estudioso do Jesus Histórico a entendê-lo como um profeta apocalíptico. Para ele, Jesus estava inserido dentro da extensa tradição apocalíptica judaica.
Albert Schweitzer (1841-1965) A orientação escatológica seria realmente um dos elementos centrais da mensagem de Jesus. Para ele o dito paradgmático encontra-se em Mateus 10.23. Jesus instruiu seus discípulos para avisar da urgência do arrependimento. A missão dos doze é o início do fim.    
Dentre os autores que acompanharam, de uma forma ou de outra a proposta de Shweitzer e Wiss, pode-se mencionar Rudolf Bultmann, Günther Bornkamm, W. G. Kümmel e Joachim Jeremias.    

Cânon
Dos numerosos apocalipses cristãos somente o Apocalipse de João foi admitido no cânon.

Referência
MESTERS, Carlos. OROFINO, Francisco. Apocalipse de João. São Paulo: Santuário/ Fonte Editorial, 2013.
PRIGENTE, Pierre. O Apocalipse. São Paulo: Loyola, 2002.
CASTRO, Flávio Cavalca. Apocalipse Hoje: Pequeno comentário ao livro do Apocalipse. Aparecida/SP: Santuário, 2018.

Resumo: Aula sobre o Livro do Apocalipse. David Rubens de Souza. 07/02/2019. FABAD.


Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.