quinta-feira, 13 de junho de 2019

469 - Narratologia: Exegese de Narrativas Bíblicas.



Definição[1]
O termo “narratologia” é uma tradução do termo francês “narratologie”, introduzido por Tzvetan Todorov, linguista búlgaro radicado em Paris. Narratologia tem sua origem na tradição do formalismo russo e do estruturalismo francês.
Método narratológico examina o que as narrativas têm em comum, o que as diferenciam umas das outras enquanto narrativas e, estuda os sistemas específicos de regras que presidem a produção e o processamento narrativo.

Elementos da narrativa
A narrativa pode ser explícita ou implícita:
Explícita como ocorre no caso de um repórter que escreve e apresenta a sua matéria.
Implícita como ocorre na grande maioria dos livros de literatura, onde o narrador é o autor da história, assumindo ou não sua identidade.

Formas de narração: Narrador Clássico
Onisciente: possui o conhecimento completo da narrativa, personagens e situação.
Incluso: também chamado de participante, quando o narrador participa como um dos personagens. Narra em primeira pessoa ou apenas como observador.
Oculto: conhecido também como ausente, ocorre quando o narrador não se mostra.

Formas de Focalização
Focalização Zero: Lucas 7.11. Viúva de Naim. O narrador dispõe de informações que faltaria a um simples espectador. Leitor recebe mais informações do que as testemunhas da cena.
Focalização interna: Lucas 7.11. Viúva de Naim. O Senhor teve grande compaixão dela. O narrador oferece ao leitor a interioridade oculta dos personagens.
Focalização externa: Lucas 7.11. Viúva de Naim. O narrador transmite menos do que o personagem pode saber. Jesus tocou o esquife. 

Narrativas e Personagens
Protagonista: personagem principalgeralmente personifica o “bem”. Defende valores morais de seu narrador.
Antagonista: pode ser um personagem tão importante quanto o protagonistaDe um modo geral personifica o “mal” e vai contra os valores morais defendidos pelo narrador.
Personagens de “efeito”: De um modo geral são amigos ou ajudantes do protagonista ou antagonista.

Análise Narrativa: Ângulos
Em uma narrativa, os eventos da história narrada não são apresentados em uma perspectiva neutra, mas em ângulo particular.

Sinóticos e Variantes de Ponto de Vista
A História da Vida, Morte e Ressurreição de Jesus. Estratégia narrativa de Marcos, Mateus e Lucas.
Atividade: Comparar relatos da ressureição. As mulheres encontraram o túmulo vazio.

Ponto de Vista: Relação do Autor com a História Narrada
Posicionamento cognitivo:
Marcos – Menos crítico em relação aos judeus.
Mateus – Mais hostil em relação aos fariseus.

Relação do Autor com a História Narrada
João: Judeus uma entidade uniformemente agressiva em relação a Jesus.
O ponto de vista é um posicionamento do narrador aplicado a todos os elementos da narrativa:
 Pessoas;
 Objetos;
 Valores.

Ponto de Vida: O Ponto de Vista, Cinco Dimensões
Espacial
Temporal
Psicológica
Fraseológica
Ideológica

Espacial: O narrador pode assumir várias posições quando descreve a ação
Pode aproximar-se do personagem e descrever a casa quando ele entra em uma casa.
Criar empatia com detalhes: distância; ação; multidão; estrada etc. 
Então mandou à multidão que se assentasse no chão, Mateus 15:35.
E, descendo ele do monte, seguiu-o uma grande multidão, Mateus 8:1.
E tornou a sair para o mar, e toda a multidão ia ter com ele, e ele os ensinava, Marcos 2:13.
E em casa tornaram os discípulos a interrogá-lo acerca disto mesmo, Marcos 10:10.

Temporal: O narrador pode passar do passado ao presente e propor sincronia
Elipse: Tempo da narração ao tempo da anunciação da narrativa.
E eles, recebendo o dinheiro, fizeram como estavam instruídos. E foi divulgado este dito entre os judeus, até ao dia de hoje. Mateus 28:15.

Psicológica: Verbos de percepção
Ele pensou...
Perguntava-se...
Teve medo...
Teve compaixão...
Pareceu-lhe.
E os discípulos, ouvindo isto, caíram sobre os seus rostos, e tiveram grande medo. Mateus 17:6.
E, de manhã, voltando para a cidade, teve fome, Mateus 21:18.

Fraseológico: A percepção do personagem que o narrador quer criar no leitor
O ponto de vista do narrador impregna o discurso feito pelo personagem.
Quando um doutor da Lei em Lucas pergunta a Jesus: “Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?” Lc 10.25, o narrador exprime uma atitude de respeito da parte do doutor da Lei.
O ponto de vista do narrador constrói a imagem para o leitor.
“Apesar de tudo, até muitos dos principais creram nele; mas não o confessavam por causa dos fariseus, para não serem expulsos da sinagoga”, João 12:42.

Ideologia: Sistema de valores que o narrador apresenta ao longo do seu relato
Marcos associa os discípulos a posições hostis a Jesus.
“Ele, porém, respondendo, lhes disse: Dai-lhes vós de comer. E eles disseram-lhe: Iremos nós, e compraremos duzentos dinheiros de pão para lhes darmos de comer?” Marcos 6:37-39.
“E arrazoavam entre si, dizendo: É porque não temos pão.
E Jesus, conhecendo isto, disse-lhes: Para que arrazoais, que não tendes pão? não considerastes, nem compreendestes ainda? tendes ainda o vosso coração endurecido? Tendo olhos, não vedes? e tendo ouvidos, não ouvis? e não vos lembrais”, Marcos 8:16-18.

Prática: Análise Narrativa
Caminhada de Jesus sobre o mar:
Mateus 14.22-33
João 6.16-21

Narrativa mateana: Ponto de vista adotado é o de Jesus
Jesus obriga os discípulos a embarcar para a travessia, 14.22.
Ele está sozinho quando anoitece.
O narrador não fala de medo dos discípulos.
Jesus vai até eles e os exorta à confiança.
O medo de Pedro.
Focalização centrada em Jesus.
O narrador não apresenta a interioridade de Jesus.
Dimensão psicológica: medo e adoração.
O que Jesus está pensando?
O medo dos discípulos é provocado não pela tempestade, mas pelo aparecimento de Jesus, que eles consideram um fantasma, v. 26.

Narrativa joanina: Ponto de vista adotado é o dos discípulos
São os discípulos que embarcam para Cafarnaum: 6.17.
O relato dramatiza a situação de perigo, v. 8.
Jesus é convidado a entrar no barco.

Formar Opinião
A escolha do ponto de vista, está a serviço da reação à leitura do relato que o narrador quer provocar nos seus leitores. O ponto de vista do narrador é constituído por uma temporalidade escolhida, por uma descrição da interioridade dos personagens, por uma escolha da linguagem e por um sistema de valores.

Processo de Análise: Narratologia
1 – Quais são os elementos que indicam o começo e o fim
2 – Quando; Tempo
3 – Onde; Lugares
4 – Personagens
4.1 Individuais e coletivos
5 – Identificar focalizações: Zero; Interna e Externa
6 – Tema
7 – Gênero literário
8 – Contexto Anterior
9 – Contexto Posterior
10 – Tabela de Verificação; Harmonia de narrativas
11 – O que é que o narrador comunica ao leitor
12 – Que sentimentos desperta a narrativa no leitor


Referências
ALETTI, Jean-Noël; GILBERT, Maurice; SKA, Jean-Louis; VULPILLIÈRES, Sylvie de. Vocabulário ponderado da exegese bíblica. São Paulo: Loyola, 2011.
EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento: Introdução aos métodos linguísticos e histórico-críticos. São Paulo: Loyola, 2015.
GORMAN, Michael J. Introdução à exegese bíblica. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017. 
LIMA; Maria de Lourdes Corrêa. Exegese Bíblica: Teoria e Prática. São Paulo: Paulinas, 2014.
MARGUERAT, Daniel. O Ponto de Vista: Olhares e Perspectivas nos Relatos dos Evangelhos. São Paulo: Loyola, 2018.
PARMENTIER, Elisabeth. A Escritura viva: interpretações cristãs da Bíblia. São Paulo: Loyola, 2009.
YOFRE-SIMIAN, Horácio; GARGANO, Innocenzo; SKA, Jean Louis; PISANO, Stephen. Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2015.
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: Manual de Metodologia. São Leopoldo/RS: EST; Sinodal, 2016.



Exegese do Antigo e Novo Testamento
Prof. David Rubens de Souza
drubenssouza@hotmail.com
Pindamonhangaba-SP
FABAD - 2019






[1] Material didático preparado para Disciplina de Exegese do Antigo e Novo Testamento. Curso: Bacharel em Teologia – FABAD, 1º Semestre de 2019. SOUZA, David Rubens. Narratologia: Exegese de Narrativas Bíblicas. Pindamonhangaba-SP: FABAD, 2019.    


Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.