quinta-feira, 2 de novembro de 2023

566 - Quem foi Lilith?


No texto bíblico, o nome Lilith aparece apenas uma vez, em Isaías 34:14.

 

וּפָגְשׁ֤וּ צִיִּים֙ אֶת־אִיִּ֔ים וְשָׂעִ֖יר עַל־רֵעֵ֣הוּ יִקְרָ֑א אַךְ־שָׁם֙ הִרְגִּ֣יעָה לִּילִ֔ית וּמָצְאָ֥ה לָ֖הּ מָנֹֽוחַ׃

 

“Encontrarão (verb) fera (subs) do deserto (subs) com um chacal (subs) peludo (adj) sobre companheiro (subs) chamará (verb) porém ali, perturbar (movimentar) (verb) Lilith (subs) alcançar (verb) para ela descanso (subs)”. Minha tradução.

 

“Aí vão se encontrar o gato do mato e a hiena, o cabrito selvagem chamará seus companheiros. Aí Lilit vai descansar”. Bíblia Palavra Viva. São Paulo: Paulus, 2022.

 

“Os gatos selvagens encontrarão ali as hienas, os sátiros ali gritarão um para o outro. E ali também se instalará Lilit: lá ela encontrará o repouso”. Bíblia Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.

 

“Lá se encontrarão a hiena e o gato do mato, o cabrito selvagem chamando os companheiros, lá descansará Lilit, ali encontrará repouso”. Bíblia Sagrada Tradução CNBB. Brasília: CNBB, 2008.

 

“Aí vão se encontrar o gato do mato e a hiena, o cabrito selvagem chamará seus companheiros; aí Lilit vai descansar, encontrando um lugar de repouso”. Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.

 

“Demônios encontrar-se-ão com burros-centauros. E chamarão uns pelos outros; lá os burros-centauros descansarão, pois encontraram para si mesmos um lugar para descansar”. LOURENÇO, Frederico. Bíblia Antigo Testamento: Os Livros Proféticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

 

“Nela se apertarão os espíritos, e o espírito maligno gritará a seu companheiro; ali repousará o espírito maligno com forma de mulher, e achará descanso”. Peshitta. Niterói/RJ: BV Filmes Editora, 2018.

 

“Ali se darão encontro as hienas e os chacais, e os sátiros chamarão seus companheiros, para que ali venha a descansar Lilite, e ache para si o lugar de seu repouso”. Bíblia Textual. Niterói/RJ: BV Filmes Editora, 2019.

 

“E animais do deserto se encontrarão com hienas; bodes selvagens clamarão um ao outro; e Lilite, criaturas noturnas, pousarão ali e encontrarão descanso e refúgio”. Bíblia King James. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.

 

Palavra original: לִילִית
Parte do discurso: Substantivo Feminino
Transliteração: liyliyth
Ortografia fonética: (lee-leeth')

 

 Mas nos manuscritos do Mar Morto, o testemunho mais antigo do texto bíblico encontrado até agora, Lilith também aparece na Canção para um sábio, um hino possivelmente usado em exorcismos.

Apesar das poucas menções, para os judeus, a Torá é a fonte para a interpretação das principais leis e da ética, já que é considerada uma forma de revelação divina para a humanidade. Ho primeiro livro do Pentateuco há um versículo que suscita muitas dúvidas e várias interpretações: “E Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e disse: frutificai e multiplicai-vos” (Gênesis 1.27).

Isso ocorre no sexto dia da Criação. No sétimo, Deus descansou.

Mais adiante, conta que ele colocou “o homem que havia se formado” no Éden, e só depois: “E disse Jeová Deus: Não é bom que o homem esteja sozinho; darei uma ajuda idônea a ele” (2:18). Continuando, 2.21: “E Jeová Deus fez um sono profundo cair sobre Adão, e ele adormeceu. Então ele pegou uma de suas costelas e fechou a carne em seu lugar; 2:22: e da costela que Deus tomou do homem, fez uma mulher e a levou ao homem”. Fica a pergunta, o que aconteceu com aquela fêmea criada no sexto dia?

Uma interpretação é que esse primeiro ser criado era andrógino, uma criatura que era simultaneamente homem e mulher e foi separada depois (interessante que Platão desenvolve essa ideia em sua obra O Banquete).

Outra leitura é de que houve duas Evas: Adão não gostou da primeira e Deus a substituiu por outra.

Embora esta última versão tenha surgido cedo, a associação com Lilith demorou a aparecer, apesar de ela já estar viva no imaginário da região pelo menos um milênio e meio antes de a Bíblia começar a ser escrita (séculos XI e V a.C).

A menção mais antiga ao seu nome aparece na Epopeia de Gilgamesh – a mais antiga obra épica escrita – e em A Árvore Huluppu, um poema épico sumério encontrado em uma tabuleta em Ur que remonta a aproximadamente 2 mil a.C.

Talvez seja possível imaginar que o mito tenha feito parte da demonologia babilônica, inclusive existe relatos de que amuletos e encantamentos eram usados para neutralizar os poderes sinistros deste espírito que atacava mulheres grávidas e bebês. Logo Lilith migrou para o mundo dos antigos hititas, egípcios, israelitas e gregos.

Isso provavelmente explica por que no Livro de Isaías ela aparece sem nenhuma apresentação, uma indicação de que o escritor confiava que os leitores a conheciam.

Também foi mencionada no Talmude da Babilônia (escrito por volta o ano 500), uma coletânea de discussões, relatos de grandes rabinos e meditações sobre passagens da Bíblia. Essa Lilith talmúdica tinha cabelos longos e asas, e encarnava práticas sexuais consideradas insalubres.

Outros textos posteriores que incorporam Lilith na história da criação, como o Zohar, escrito por volta de 1300 na Espanha, um dos dois livros fundamentais do pensamento místico judaico conhecido como a Cabala. O texto afirma que essa criatura andrógina inicial foi dividida, criando seres humanos distintos: o homem, Adão, e a mulher, “a Lilith original, que estava com ele e concebeu dele”.’

No Alfabeto de Ben Sirá, Lilith é a protagonista de um episódio que conta que quando Ben Sirá foi atender o filho doente do rei Nabucodonosor da Babilônia, inscreveu em um amuleto os nomes dos três Anjos da Saúde: Senoy, Sansenoy e Semangelof.

Quando Nabucodonosor perguntou quem eram os anjos mencionados no amuleto, Ben Sirá contou que pouco depois de Deus criar o homem, Adão, e a mulher, Lilith, eles começaram a discutir.

- Lilith: “Não me deitarei por baixo”.

- Adão: “Não me deitarei debaixo de ti, mas acima de ti, porque és apenas digna de estar na posição inferior enquanto eu, na superior”.

- Lilith: “Somos iguais, pois ambos fomos criados da terra”.

Quando Lilith se deu conta de que não chegariam a um acordo, ela pronunciou o Tetragrama – as sílabas sagradas do nome inefável de Deus – e voou para longe.

Adão orou ao seu Criador e disse: “Senhor do Universo, a mulher que me deste fugiu de mim!”

Deus então enviou os três anjos para dizer a ela que, se não voltasse, cem de seus filhos morreriam diariamente.

Lilith, no entanto, se recusou e disse que havia sido criada para “fazer adoecer as crianças: se são meninos, do nascimento até o oitavo dia de vida terei poder sobre eles; se são meninas, desde o nascimento até o vigésimo dia”.

Mas ela jurou que cada vez que visse nos bebês os nomes ou imagens dos anjos em um amuleto, não lhes faria mal.

Essa é a versão mais conhecida da passagem de Lilith pelo Paraíso. E a mais polêmica.

Isso porque muitos estudiosos não reconhecem O Alfabeto de Ben Sirá como uma representação do pensamento rabínico.

Alguns até o consideram uma peça deliberadamente satírica que zomba da Bíblia, do Talmude e de outras exegeses rabínicas, pois sua linguagem é muitas vezes vulgar e seu tom, irreverente.

O relato de Lilith em si leva a debates sobre mitologia versus história, textos sagrados e adições não sagradas, assim como a discussões polêmicas entre aqueles que veem a Bíblia como a palavra de Deus e os que a veem como parte do rico acervo cultural universal que admite não só uma história de origem, mas muitas outras.



Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.