JÜRGEN
MOLTMANN, PROFETA DA ESPERANÇA
David Rubens
Jürgen Moltmann é um
dos últimos grandes teólogos do séc. XX. Tenho estudado sua obra e uma das coisas
que tem chamado minha atenção é o processo de conversão que ele viveu como
prisioneiro nos campos de concentração da 2ª Guerra Mundial. Decide relatar um
pouco daquilo que tenho lido em seus livros.
Moltmann lutou na 2ª
Guerra Mundial, foi capturado pelos ingleses na Bélgica, em 1945, e mantido
prisioneiro até 1948.[1]
Em julho de 1943
fui ajudante da Força Aérea numa bateria antiaérea no centro de Hamburgo, e por
pouco sobrevivi ao ataque desfechado pela “operação Gomorra” da Royal Air Force.
O amigo que estava a meu lado no equipamento de combate foi estraçalhado pela
bomba que me poupou. Aquela noite clamei pela primeira vez por Deus: Meu Deus,
onde estás? Desde então fui perseguido pela pergunta: Por que não estou morto
também? Para que vivo? O que dá sentido a minha vida? É bom viver, porém é duro
ser um sobrevivente. É preciso suportar o peso do luto. É provável que minha
teologia tenha começado aquela noite... Provavelmente, todos que escaparam
consideraram o fato da sobrevivência não apenas uma dádiva, mas também uma incumbência
(Moltmann, 2002, p. 10).
Moltmann relata que
após escapar da morte em um bombardeio, foi capturado pelos ingleses e se
tornou prisioneiro de guerra:
Havíamos escapado
da morte, mas éramos prisioneiros de guerra. Estive primeiro no miserável
acampamento 2226 em Zedelgem, próximo de Ostende (Holanda), depois no campo de
trabalhos 22 em Kilmarnock/Ayrshire; cheguei a Norton Camp somente em julho de
1946 (Moltmann, 2002, p. 10).
Moltmann comenta que o
fim da guerra e o verão de 1945 trouxeram um pavor gélido ao acampamento. Naquele
período todas as cidades alemãs estavam em ruínas, 12 milhões fugiram da Prúsia
Oriental e da Silésia. Inúmeras pessoas estavam diante do nada e não sabiam
mais para onde ir.
Moltmann, e esperança
perdida:
O alimento de minha
alma haviam sido os poemas de Goethe e seu Fausto, que minha irmã me dera. Esses
poemas haviam despertado meus sentimentos de jovem, porém agora, preso num
pavilhão com outros duzentos, nada mais me diziam, embora os recitasse com frequência.
Meu sonho fora estudar matemática e física. Meus heróis eram Einstein e
Heisenberg. Naquele lugar, porém, esse sonho se despedaçou: para que tudo isso?
(Moltmann, 2002, p. 11).
As noites de insônia:
A noite me
assaltavam as recordações torturantes dos tanques que rolaram sobre nós nas
cercanias da batalha de Arheim, de modo que eu acordava suando frio, quando
surgiam as faces dos companheiros tombados, fitando-me com olhares apagados. Num
acampamento onde ficávamos sentados e não havia nada a fazer, estávamos
especialmente indefesos diante daquelas lembranças angustiantes (Moltmann, 2002,
p. 11).
Em setembro de 1945, os
reféns do acampamento 22 na Escócia foram confrontados com fotos de
Bergen-Belsen e Auschwitz:
As fotos estavam
expostas, sem comentário, num pavilhão. Lenta e implacavelmente, a verdade
penetrou em nossa consciência, de modo que nos víamos espelhados nos olhares
das vítimas dos nazistas. Era em favor disso que combatêramos? Alguns de nós estávamos
tão apavorados que não queríamos mais retornar à Alemanha e permanecermos na
Inglaterra. Dentro de mim caiu por terra todo sentimento pela Alemanha como “pátria
sagrada” (Moltmann, 2002, p. 12).
Moltmann relata que no
campo de trabalho na Escócia, ele recebeu uma bíblia de um bem-intencionado
capelão militar: “muitos teriam preferido cigarros. Eu lia sem compreender
muito, até que encontrei os salmos de lamentação que me cativou profundamente,
Sl 39: A duração de minha vida é quase
nada diante de ti... Eram palavras que brotavam de minha alma e a atraíam
para Deus” (Moltmann, 2002, p. 13). Moltmann comenta que quando leu o grito de
Jesus na cruz, soube com certeza: “está ali o único que me compreende. Comecei a
compreender o Cristo atribulado, porque sentia que era compreendido por ele. Recebi
o ânimo de viver. Fui tomado de grande esperança” (Moltmann, 2002, p. 13).
Moltmann comenta que
nunca tinha tomado uma decisão por Cristo, contudo, ao ler sobre a vida de
Jesus, ele diz: “tenho certeza, ele me encontrou no buraco negro de minha alma”
(Moltmann, 2002, p. 13).
A experiência de Norton
Camp:
Cheguei no
acampamento no outono de 1946. Minha conclusão precoce do segundo grau não
valia mais nada. Tive de retornar aos bancos da escola. Pelas experiências com
a Bíblia tornou-se fácil para mim a decisão entre ser professor e pastor. À noite
no acampamento, caminhei muitas vezes ao longo da cerca e olhei para a capela
sobre o monte. Eu ainda estava à procura, porém sentia que Deus me atraía e que
eu não o procuraria se ele já não me tivesse achado. Na capela nos reuníamos
para devoção vespertinas, para encerra o dia com um hino e uma meditação para a
restauração da vida. Amávamos muito a capela. Ela exerceu um fascínio
extraordinário sobre nós (Moltmann, 2002, p. 14).
Norton Camp, o encontro
com a teologia.
Na detenção, eu estava
faminto de atividade intelectual. A Associação Cristã de Moços imprimia livros
para ajudar os prisioneiros. Ainda hoje possuo alguns livros daquelas doações,
as obras de A. Nygren, Eros e ágape,
D. Bonhoffer, Discipulado. A primeira
obra dogmática que li foi de Reinhold Niebuhr, A natureza e o destino do ser humano, que me impressionou
profundamente, apesar de praticamente não ter entendido nada (Moltmann, 2002, p.
15).
O curso de teologia no cativeiro:
Estudei hebraico
com Walter Haare e Gerhard Noller; Novo Testamento com Gerhard Friedrich;
Teologia Sistemática com Anders Nygren; Ética com SØe, de Copenhague;
Werner Milch, mais tarde professor de Marburgo, ensinou história da literatura
no século XX. Lembro das pregações impactantes de nossos pastores do
acampamento, Rudolf Halver e Wilhelm Burckert. Foram as primeiras pregações que
ouvi na minha vida e várias delas eu ainda seria capaz de repetir,
especialmente a mensagem de Halver sobre a grande pecadora, de 10 de agosto de
1947. Nunca voltei a ter depois uma vida intelectual tão intensa quanto no tempo de Norton Camp (Moltmann, 2002, p.
15).
Moltmann comenta que, “no
início parecia ser um destino cruel mas, tornou-se para nós uma benção de
riqueza imerecida” (Moltmann, 2002, p. 16).
Moltmann foi mantido
prisioneiro até 1948. Aos 22 anos de idade voltou para casa para encontrar sua
família na cidade natal. Começou seu curso de teologia na Universidade em
Göttingen, com professores fortemente influenciados por Barth. A princípio, se
tornou um grande fã de Karl Barth. Aliás, uma de suas primeiras publicações foi
um estudo acadêmico sobre os primórdios da teologia dialética.[2]
Moltmann recebeu seu
doutorado em teologia em 1952 e serviu como pastor de uma pequena igreja
Reformada até 1957, quando se tornou professor de teologia numa academia
mantida pela Igreja Confessante em Wuppertal. Lá ele teve contato com Wolfhard
Pannenberg, que veio a ser seu companheiro na teologia escatológica durante os
anos 60. Depois de uma temporada na Universidade de Bonn, Moltmann recebeu uma
oferta para o prestigioso cargo de professor de teologia sistemática da
Universidade de Tübingen, onde trabalhou até aposentar.
Moltmann esteve no Brasil três vezes: 1977, 2008
(participando de uma série de atividades na Universidade Metodista de São
Paulo, onde recebeu também o título de Doutor Honoris Causa) e 2011.
Estilo de Normalizar Citação De Acordo com as Normas da ABNT para Trabalhos Acadêmicos.
RUBENS, David. JÜRGEN MOLTMANN. http://biblicoteologico.blogspot.com.br/2015/03/jurgen-moltmann.html. Acesso em: _____________.
Bibliografia
GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 2002.
GRENZ,
Stanley; MILLER, L. Teologias
Contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 2011.
GRENZ, Stanley e OLSON, Roger. A teologia
do século 20; Deus e mundo numa era de transição. São
Paulo: Cultura Cristã, 2003.
MOLTMANN,
Jürgen. A fonte da vida: o Espírito
Santo e a teologia da vida. São Paulo: Loyola, 2002.
__________________.
Vida esperança e justiça: um testamento
teológico para a América Latina. São Paulo: Editeo, 2008.
__________________.
O Espírito da Vida. Petrópolis: Vozes, 1999.
__________________.
Teologia da Esperança. 3 Ed. São Paulo, Teológica,
2005.
__________________.
No fim, o início: breve tratado sobre a
esperança. São Paulo: Loyola, 2008. 206p.
MONDIM, Batista. Os grandes teólogos do século vinte. São Paulo:
Teológica, 2003.
[1] Principais livros consultados: GRENZ,
Stanley e OLSON, Roger. A teologia do
século 20; Deus e mundo numa era de transição. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. GIBELLINI,
Rosino. A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 2002. GRENZ,
Stanley; MILLER, L. Teologias
Contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 2011. MONDIM,
Batista. Os grandes teólogos do século
vinte.
São Paulo: Teológica, 2003.
[2] GRENZ,
Stanley e OLSON, Roger. A teologia do século 20; Deus e mundo numa era de transição. São
Paulo: Cultura Cristã, 2003.
Álbum de fotos
Jürgen Moltmann e Wolfhart Pannenberg
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