segunda-feira, 3 de maio de 2021

537 - O Deus frágil nascido de mulher e comido pelos homens. David Rubens de Souza


Por que a Europa se lançou com fúria à adoração ao Deus criador semita? O Deus narrado no Antigo Testamento é o “criador do nada”, é aquele que tirou o mundo do nada. Os homens europeus se identificaram com esse Deus testemunhado por um povo semita, exaltaram uma de suas prerrogativas divinas, pondo-a acima de todas as outras: “a criação do nada”. Dessa identificação tiraram uma vontade delirante de dominar o mundo com tudo o que o habita. A imitação do Deus da criação tornou o homem cruel e sedento de poder.

Diante de tudo isso, Deus podia ter restituído sua criação ao nada, podia cancelar o mundo. Mas não o fez e lhe enviou, mais tarde, o único remédio que podia reparar essa situação, enviou-lhe um Deus como ele, o qual adquiriu figura humana, carne mortal, para morrer e, ainda mais, para ser devorado pelos homens.

Nascido necessariamente de uma mulher, não uma criação do nada, tudo isso para a loucura dos homens. O Deus que nasce de uma mulher é uma resposta do Deus que “cria do nada”, agora ele renuncia sua criação absoluta. O Deus que nasce de mulher aparece como uma correção do “sereis como deuses”. 

A humanidade tinha entendido que ser semelhante a Deus significava praticar a fúria da criação, dominar, não sofrer, vencer o nada.

O homem sempre teve inveja da capacidade de criar, que é própria dos deuses e das mulheres. Deus ao nascer de uma virgem, confundiu a mente dos homens, faz o “sereis como deuses” mudar o sentido.

O “sereis como deuses” não significa mais ser senhores do nada, isso é um escândalo para os homens. O Deus Cristo da virgem tem início meio e fim, é um Deus sujeito a mortalidade carnal. Ser como o Deus, no sentido do Deus que nasce de mulher, se torna o nível mínimo de “fúria de criação e dominação” e o máximo de pobreza.

O Deus Cristo é o sêmen do Deus que “cria do nada”, ele expressa fraqueza e a mansidão sancionadas pela paixão.

Na tradição de fé do homem europeu se desmascara a indiferença do Deus poderoso quando o filho se sente abandonado: “Eloi, Eloi, lamá sabactani?”. Deus se torna espelho de orgulho, indiferença e irremediável inacessibilidade.

Deus nasce e morre nas mãos de homens, e para os HOMENS, a parte feminina nunca teve necessidade de ver Deus indefeso, sem armas.

O Deus que nasce de mulher se oferece como alimento para ser comido, devorado. O pão que é devorado é tentativa de Deus de aplacar a “fome divina” dos homens, seu querer serem como deuses.

A renúncia de Deus, o alimento divino oferecido aos homens na forma de passividade, não teve o efeito de amor esperado, nem ingerindo Deus o homem se aplacou. O homem segue dominado pela força terrível de suas paixões. O sangue divino foi interpretado como libertação, o sangue foi interpretado como habilitação a ser como Deus. O Deus frágil que nasce de mulher e morre foi transformado no Deus da “fúria da criação”.

Ao nascer da virgem, Deus demonstrou que a carne não pode ser destituída de sofrimento, mostrou que o humano tem que ser humano, frágil e perecível.

Os homens que fazem a história, em vez de serem tomados de encantamento pelo “Deus da mulher”, se concentraram em adorar somente o Deus dominador da “fúria da criação”.

O homem ocidental quer ter diante de si um Deus servo, um Deus que pede para ser escravizado.

A religião cristã é a única onde a frase “Deus morreu” faz sentido. É só nela que o homem matou seu Deus, o Deus frágil nascido nascido de mulher, e o ressuscitou como o Deus todo poderoso. 

O Deus verdadeiro morreu, entrou na morte em perfeita comunhão como os seres que morrem.


Um comentário:

  1. Suas colocações são muito interessantes. Pode-se explorar vários assuntos desse tema.
    Por favor, fale mais a respeito de "sereis como deuses".

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Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.