quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

442 - Ética da Esperança. Jürgen Moltmann.



O teólogo alemão Jürgen Moltmann é conhecido em todo o mundo como o teólogo da esperança. Entre a sua primeira obra, Teologia da Esperança, de 1964, à recente obra, de algum modo idealmente conclusiva, Etica della speranza, de 2010 (Queriniana, 2011), corre quase meio século de escritos, nos quais o tema da esperança foi de várias formas manifestado na mudança dos contextos históricos e culturais.
Ele escreve no Prefácio da nova obra: "Dirijo-me à cristandade para fazer propostas práticas dentro de horizontes cheios de esperança. Ela busca inculcar um ethos referente à vida posta em perigo, à terra ameaçada e à justiça negada" (p. 6). Mas não é o nosso tempo um tempo de crises? Moltmann adverte desde o início: "Uma ética do medo vê as crises, uma ética da esperança reconhece as possibilidades inerentes às crises […] A 'heurística do medo' suscita a responsabilidade pelo presente" (p. 15), e cita um verso do hino intitulado Patmos do poeta Hölderlin, que o acompanha desde sempre nas suas reflexões:" Mas onde existe o perigo cresce também o salvífico".
A obra inicia com um interessante capítulo teórico sobre a escatologia, já que "toda a ética cristã é influenciada por uma escatologia pressuposta" (p. 21), em que se distingue entre quatro tipologias diferentes de escatologia.

1. A escatologia apocalíptica de Agostinho, da doutrina luterana dos dois reinos, mas também, segundo modalidades diferentes, do fundamentalismo cristão, "fala de um futuro ainda não decidido e de uma luta final que ainda devemos esperar" (p. 21).

2. Para escatologia cristológica de Barth, "o futuro escatológico só pode ser a epifania universal e pública do que já foi 'cumprida' em Cristo" (p. 34).

3. A teologia pós-liberal, expressa nos EUA por teólogos como o luterano George Lindbeck e o metodista Stanley Hauerwas, prospecta uma escatologia separatista, já que "o cristão não deve se envolver na política da nossa sociedade, mas sim se envolver na política que é a Igreja"; "Deus se torna visível mediante a santidade da Igreja, a Igreja deve deixar a Deus a mudança do mundo. [...] A ética cristã é uma ética para cristãos, nada mais" (p. 47-48). Os cristãos vivem de modo diferente de como o mundo vive, que é world of violence; a Igreja é peaceable Kingdom, "reino de paz", comunidade não violenta pecadores perdoados; a Igreja não está destinada a servir a sociedade liberal, mas sim a envolver discípulos no seguimento de Cristo.

4. Moltmann sintetiza a sua posição, argumentada em muitas obras, como escatologia em dimensões messiânicas, em que o futuro escatológico continua sendo futuro, mas é antecipado no presente: "A ética do reino de Deus é uma ética do seguimento, e a ética do seguimento de Jesus é uma ética da antecipação do seu futuro" (p. 56). Ética da esperança como ética messiânica, como ética transformadora: "Uma ética da esperança vê o futuro na luz da ressurreição de Cristo. A razão de ela ser pressuposta e utilizada é o saber transformativo. Ela introduz a ação transformadora para antecipar o máximo possível a nova criação de todas as coisas, que Deus prometeu e inaugurou em Cristo" (p. 59).
Se, para Barth, o futuro já está cumprido no evento de Cristo – escatologia cristológica –, para Moltmann, o futuro escatológico é antecipado no presente, mediante o seguimento (cristologia escatológica) já ilustrado em “Teologia da Esperança” e em outros escritos.
É uma posição – escatologia transformadora como desenvolvimento de uma cristologia escatológica – que é desenvolvida em três âmbitos na crise do presente: ética da vida, ética da terra, ética da paz justa.

1. Ética da vida
A ética da vida se fundamenta em uma teologia da vida e responde "a múltiplos perigos que atualmente ameaçam a vida de modo letal" (p. 61). Entre os perigos, são abordados: o terrorismo, o programa nuclear suicida, a ideologia do crescimento, até chegar à questão da sobrevivência da humanidade. Sobre a questão da existência da humanidade, Moltmann se interroga se existe um "princípio antrópico" no cosmos, por força do qual é inerente à matéria organizar-se em vida inteligente, mas não há elementos para afirmar isso. Só resta o "dever de existir", como se expressa Jonas, em “O princípio responsabilidade” (1979). 
A teologia enuncia em evangelho da vida: "O evangelho da vida é o sim dito por Deus à vida amada e amante, à vida pessoal e comunitária, à vida humana e natural sobre a terra por ele amada. Ele é, ao mesmo tempo, o não de Deus dito ao terror e à morte, à injustiça e à violência contra a vida, à resignação, à apatia e aos desejos de morte" (p. 81).
Se não existe um princípio antrópico no cosmos, fazendo nós parte do cosmos – "pó de estrelas" (p. 91) –, existe uma "antropologia cósmica", que se insere em uma "cosmologia antropológica", embora deva ser definida e ilustrada no âmbito da ciência e da filosofia. O evangelho da vida vai além: "Qualquer que seja o terror que as especulações sobre a morte por aquecimento ou por resfriamento do universo possam nos provocar, por causa da falta de sentido do universo, nós acreditamos, por amor de Cristo, na divinização do universo mediante a futura inabitação do Deus eternamente vivo em todas as coisas" (p. 92).
Segue um denso capítulo sobre a Ética Médica (p. 93-136) – interessante também em chave ecumênica – que trata dos controversos problemas médicos relacionados à vida humana, da concepção e do nascimento, passando pela saúde, doença e morte, até o tema teológico da "ressurreição da carne", que Moltmann chama de "ressurreição da vida".

2. Ética da terra
A terra é sobretudo vista como Gaia (Lovelock, 1979), como organismo planctário. Moltmann escreve: "Praticamos uma 'economia mundial' globalizada sem prestar atenção ao 'sistema terra', sobre cujos ombros e às custas do qual desenvolvemos tal economia. Aplaudimos a 'globalização', mas onde permanece nela o 'globo'?" (p. 142). Com a criação em princípio, começa um processo criador de Deus, que é diferenciado em três fases: a criação em princípio, a criação continuada do novo, e o cumprimento da atividade criadora de Deus em uma criação nova e eterna (e é nessa seção que Moltmann discute os problemas relativos à teoria da evolução e à fé no progresso).
Segue o capítulo relativo à ecologia e à ética ecológica, das quais Moltmann – com Respeito pela Vida (1966), de Schweitzer, e com Ética do ambiente (1984), do teólogo católico Alfons Auer – é um precursor com a obra “Deus na criação. Doutrina ecológica da criação” (1985). Encerra a seção o capítulo conclusivo sobre a ética da terra. A Assembleia Ecumênica de Vancouver, em 1983, havia formulado o programa de uma ética ecumênica nestes termos: "Justiça, paz e conservação da criação". Moltmann agora se expressa: "Eu formularia assim a ideia-guia da ética ecumênica: pela liberdade e pela justiça, pela paz e pelo futuro da terra" (p. 185).

3. Ética da paz justa
A terceira seção é assim introduzida: "Inicialmente, gostaria de dar a esse capítulo o título 'Ética política', mas isso cheira muito a manual ou a uma lição, que quer apresentar um panorama. Nesta 'Ética da esperança', eu me proponho, porém, tanto a oferecer resenhas gerais, mas também a falar sobre o compromisso concreto diante dos perigos que ameaçam o mundo atualmente. Por isso, me concentrei no conteúdo da ética política, que se chama paz. Embora a paz real sempre tenha uma multiplicidade de elementos, eu parto do fato de que a paz consiste politicamente na presença da justiça, não só na ausência da violência" (p. 205).
A justiça de Deus é justitia vivificans: "Salvar, ter misericórdia, curar e levantar são as múltiplas formas vivificantes da justiça criadora de Deus" (p. 213). Para a prática da justiça humana: "A ética cristã da responsabilidade exige uma ética da mudança do mundo segundo critérios de justiça e de paz, que acreditamos e buscamos no seguimento de Cristo" (p. 256). E ainda: "Os direitos humanos são um primeiro esboço para uma lei fundamental da humanidade" (p. 207): direitos individuais a serem integrados aos direitos sociais, econômicos e ecológicos.
Os direitos humanos foram descobertos e deliberados como "ideais", aos quais os povos e nações devem tender. Mas "a escatologia cristã se distingue desse idealismo pelo realismo da sua esperança. Ela parte da realidade de Cristo e descobre o seu futuro, porque tal realidade de Cristo é caracterizada por uma universalidade concreta [...]. Os direitos humanos e da natureza se enquadram nessa concepção geral do mundo reconciliado em Cristo e do futuro de toda a criação no reino da justiça reconciliante, redimente, corrigente e vivificante de Deus, como passos necessários e promissores realizados em uma grande via. Estes são metas intermediárias, que correspondem àquela meta distante" (p. 282-283).




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Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.