A festa da eterna alegria é preparada pela plenitude da de Deus e pelo
júbilo de todas as criaturas. O riso do universo é o êxtase de Deus.
A reflexão é do teólogo alemão Jürgen Moltmann, professor emérito
da Universidade de Tübingen, em artigo publicado no blog Teologi@Internet,
da Editora Queriniana, 16-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A ressurreição de Cristo é vitória sobre o poder da morte e
aparição da vida eterna, de uma vida que nunca passará. A primeira reação por
parte dos homens é a da alegria espontânea que irrompe na manhã de Páscoa,
quando essa vida divina se descerra e dela se participa. É aquilo que a Bíblia
chama de cháris. A vida comunicada, divina também é vida eterna, vida de
participação no viver divino, mas não só vida no além do "pós-morte",
mas desde agora despertar, renascimento, vida vivida sobre esta terra, com
energias novas.
A cháris se comunica em inúmeros charísmata, que não são
apenas "dons" de graça, mas novas energias vitais. Seria unilateral
demais entender essa cháris em termos puramente jurídicos, como a graça que é
concedida ao pecador. Cháris vida é que se recebe da plenitude de
Deus e que se expressa em uma vitalidade nova e na alegria irrefreável. À cháris se
reage com a chára, justamente a alegria. E essa alegria é aquela que
também se diz "fé verdadeira".
Para as criaturas humanas que querem viver, mas são forçadas a morrer,
tudo gira em torno da morte. E. se a morte tivesse que representar o fim, toda
a alegria de viver estaria destinada a desaparecer, assim como desaparece a
nossa vida sobre a terra. Mas, se a vida vem da plenitude de Deus, ela será
vida divina, que se manifestará em nós na vida como ressuscitados. Precisamente
por isso, desde o início, para a cristandade, a ressurreição de Cristo significava
plenitude de Deus, e aquela alegria que nós chamamos de "fé" se
traduzia no júbilo pascal.
"Dia de ressurreição. Tornamo-nos também nós luz nesta festa. E nos
abraçamos. Nós que nos odiamos recomeçamos a nos falar. É a ressurreição,
perdoemo-nos tudo e gritemos: Cristo ressuscitou dentre os mortos" (Liturgia
pascal ortodoxa).
Na alegria que essa plenitude de Deus nos infunde, da qual obtemos não
apenas "graça sobre graça", mas também – como agora podemos dizer –
"vida sobre vida", desde agora a nossa existência é
"transfigurada" em uma vida festiva. E a alegria traz nela música e
fantasia, em que não se trata apenas de viver a vida, mas também de organizá-la
e exibi-la.
É uma vida não apenas restabelecida [her-gestellt], mas também
representada [dar-gestellt]: diante de Deus e diante dos homens, e que se
traduz ela mesma em um hino de louvor. Nos mesmos sofrimentos e angústias pelos
quais ela é disseminada, a comunhão com Cristo crucificado faz jorrar
centelhas de confiança e acende luzes de esperança.
E os fiéis podem reter para si essa alegria. em um mundo hostil a eles e
hostil à própria vida? Não! A transfiguração da vida, como eles a
experimentaram na alegria pascal, representa para eles apenas um pequeno começo
da transfiguração do cosmos inteiro. O Cristo ressuscitado não vem apenas para
os mortos, para lhes despertar e comunicar-lhes a sua vida eterna, mas também
atrai todas as coisas ao seu futuro, para renová-las e torná-las partícipes da
eterna alegria de Deus:
"Mediante a tua ressurreição, ó Senhor, o universo se ilumina... E
toda a criação te louva, dia após dia a ti eleva o seu hino" (Liturgia
pascal ortodoxa).
A alegria que brota da ressurreição de Cristo escancara sobre
a redenção do cosmos as suas perspectivas cósmicas e escatológicas. Por que uma
redenção? Na festa da alegria eterna, todas as criaturas e toda a comunidade
criatural devem cantar os seus hinos e os seus louvores. E não entendamos isso
somente em termos meramente antropomórficos: os hinos e os louvores que as
criaturas humanas elevam a Deus pelo Cristo ressuscitado são, quão elas bem
reconhecem, somente um fraco eco da liturgia cósmica, dos cânticos celestes e
da alegria de viver que sobe de todos os outros seres vivos.
A festa da eterna alegria é preparada pela plenitude da de Deus e pelo
júbilo de todas as criaturas. Não percebemos em profundidade tal plenitude
quando nos limitamos a falar do ser e querer de Deus. Seria melhor, embora
admitindo todos os limites que essa metáfora implica, falar de uma fantasia de
Deus, a da sua imaginação criativa da qual tem origem a vida em toda a sua
pitoresca variedade.
Uma criação que, como se viu, conhece uma transfiguração e
glorificação próprias não pode ser simplesmente efeito de um querer de Deus e
nem mesmo apenas um resultado do seu modo de se realizar, mas é como que um
grandioso cântico, ou uma poderosa poesia, ou uma maravilhosa dança da sua
fantasia, em que se expressa a sua vontade de comunicar a divina plenitude. O
riso do universo é o êxtase de Deus.
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