Introdução
A palavra grega Deuteronômio
significa “Segunda Lei”, frase retirada do próprio livro em 17.18. O título em
hebraico significa “Palavra”. O livro não tem um autor único, ele foi atribuído
a Moisés com o único objetivo de dar credibilidade ao texto. A parte mais antiga,
do capítulo 12 ao 16, têm sua origem no período tribal de Israel de 1200 a 1000
a.C. O livro se formou aos poucos, o processo de produção, feito por várias mãos,
durou quase quatro século, de 750 a 400 a.C. A tradição ganhou um novo formato durante
a monarquia no Reino Norte, século VIII a.C., pelo movimento profético em denúncia
a dominação e exploração do Estado.
Com a queda de Samaria em
722 a.C., alguns israelitas se refugiaram em Judá, levando consigo suas tradições.
O material acabou servindo de base para a reforma do rei Ezequias, 2Rs 18. A tradição
foi revista e ampliada pelos escribas do rei, para legitimar a política nacionalista
e expansionista do rei Josias, 2Rs 23.2.
Posteriormente, no período
do exílio e do pós-exílio, o texto foi mais uma vez editado, recebendo uma
introdução, capítulos 1-4; e uma conclusão, capítulos 29-34, com a finalidade
de incluir o texto no conjunto de Leis, Pentateuco. O livro ocupou papel preponderante
no Reino do Sul, chegando a construir um movimento chamado “Escola Deuteronomista”,
que continuou produzindo até o final do exílio Babilônico, sendo os responsáveis
por importantes obras: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis.
Israel tribal e o culto a
várias divindades
O núcleo mais antigo do
Deuteronômio, período pré-estatal, 1200 a.C., transparece uma organização comunitária:
“Abre mão em favor do seu irmão, do seu pobre e do seu necessitado, na terra
onde você está”, Dt 15.11.
Com o passar do tempo, uma
lei foi estabelecida e partilhada entre os clãs, Dt 22.6-7. Essas leis eram recitadas
nos cultos na família e no santuário, onde se manifestava a fé em divindades
protetoras. Os primeiros israelitas prestavam culto a várias divindades,
cultuadas na sociedade de Canaã:
El:
o Deus supremo;
Elohim:
o Deus dos pais,
Baal:
o deus da chuva;
Aserá:
a deusa da fertilidade;
Yahweh:
Deus da guerra.
Reino Norte e o Santuário
do rei: opressão e exploração
Já no período estatal, em
783, Israel passou por um tempo de prosperidade, e para manter o
desenvolvimento, a corte estabeleceu uma política de centralização. Um dos
meios foi a centralização do culto, das festas e do sacrífico no santuário de
Betel, “santuário do rei”, Am 7.13.
Com a centralização do
culto no santuário do rei, a religião sofreu mudanças; Yahweh tornou-se o Deus oficial
do Estado. As outras divindades, El e Baal, foram condenadas. Nesse período, a
maioria da população camponesa sofria com injustiça, violência e exploração
pela elite de Samaria.
Com a queda de Samaria em
735, sob o Império Assírio, grande número de pessoas fugiram para Judá, levando
consigo as diversas tradições de Israel Norte, por exemplo, Yahweh como o Deus
oficial do Estado.
Judá e a centralização do
poder e da riqueza
Com a destruição do Reino
Norte, Judá começou a florescer como Estado, sendo incluído no comércio
internacional assírio.
Para aumentar a riqueza e
controle, o rei Ezequias fortaleceu o culto a Yahweh, Deus nacional de Judá,
destruiu os santuários do interior e centralizou o culto em Jerusalém, Dt 12.5;
e perseguiu as outras divindades, Dt 13.6; 2Rs 18.4.
Os escribas do rei,
editaram as leis sociais e religiosas para legitimar a reforma de Ezequias. A reforma
foi interrompida pela invasão Assíria. Em 620 a.C., a Assíria entrou em crise
por causa da guerra contra a Babilônia. O rei Josias, de Judá, aproveitou o
momento e retomou as reformas de Ezequias.
Josias fortaleceu o culto
oficial do Estado, e perseguiu brutalmente a religiosidade popular dos
camponeses, 2Rs 23.24. Destruiu os santuários do interior, os sacerdotes do
interior foram mortos ou reduzidos a uma categoria inferior. Tanto a reforma de
Josias como a de Ezequias tinham o objetivo político de centralizar o poder e a
riqueza em benefício da elite de Jerusalém.
O desastre de Judá ocorreu
com Joaquim, 609-597 a.C., e Sedecias, 597-587 a.C., atingidos pela Babilônia,
2Rs 23.36; 25.21. Jerusalém foi destruída, os sobreviventes perguntavam: quem
foi o culpado? Yahweh, o Deus nacional abandonou seu povo? Os escribas
começaram a organizar as atividades religiosas nas ruínas de Jerusalém, Jr
41.5; convocando o povo ao arrependimento e da obediência à Lei para
restabelecer a aliança com Yahweh, Dt 30.15-16.
O surgimento do Império
Persa, 538-400 a.C., a elite judaíta retornou do exílio babilônico, os escribas
e sacerdotes reassumiram suas funções no templo e Jerusalém tornou-se o centro
religioso e administrativo, explorando e oprimindo a população rural que
permanecera na Palestina durante o exílio, Is 56.10; 58.1-7.
Templo e manutenção da
elite de Jerusalém
A única forma de
participar da sociedade e do templo era fazer sacrifícios, que incluía a
entrega de ofertas. Dessa forma, o templo e a Lei tornaram-se os principais
mecanismos de arrecadação de tributos e manutenção da teocracia de Jerusalém,
que repassava uma parte da arrecadação ao Império Persa.
Conclusão
O conjunto da obra deuteronomista
quer ser um apelo à conversão ao Deus oficial do Estado. A versão final do Deuteronômio,
a serviço do templo, exalta a Lei, o sacrifício e a segregação através da
política de puro e impuro.
Referência
NAKANOSE,
Shigeyuki; MARQUES, Maria Antônia. A Lei a favor da vida? Entendo o livro do
Deuteronômio. São Paulo: Vida Pastoral, ano 61 – Número 335, 2020.
Link para o texto completo em pdf de Nakanose e Maria Antônia: https://405ebfd9-4e56-42ff-8afc-6d275aee974c.filesusr.com/ugd/a34265_2c6fd3f18bdd472ca2262703b42365f4.pdf
RÖMER,
Thomas. A chamada história deuteronomista: introdução sociológica,
histórica e literária. Petrópolis: Vozes, 2008.
BORTOLINO,
José. Pentateuco e História Deuteronomista. Aparecida: Santuário, 2018.
ILDO,
Bohn Gass. Uma introdução à Bíblia: Formação do Povo de Israel. São
Paulo: Paulus; Cebi, 2002.
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