Amostras de pólen
obtidas no leito do mar da Galileia e do mar Morto podem ser a pista que
faltava para explicar como surgiu o povo israelita, cuja religião deu origem ao
judaísmo e ao cristianismo.
Segundo pesquisadores
israelenses, os dados sugerem que, a partir de 1250 a.C., várias ondas
prolongadas de seca devastaram a Terra Santa ao longo de um século e meio,
fazendo com que bandos de refugiados fundassem novas comunidades na zona
montanhosa da região. Esses novos vilarejos acabariam levando à formação dos
antigos reinos de Israel e Judá.
Um dos que propõem essa
tese é o arqueólogo Israel Finkelstein, da Universidade de Tel Aviv. O trabalho
dele tem ajudado a repensar a relação entre os relatos da Bíblia, de um lado, e
os dados históricos e arqueológicos, de outro.
Finkelstein conversou
com a Folha durante sua visita ao Brasil na primeira semana de
outubro, quando participou de conferências organizadas pela Universidade
Metodista de São Paulo e pela Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica.
RESOLUÇÃO
"O grande
diferencial desse nosso novo trabalho é a resolução", explica o arqueólogo.
"Normalmente as amostras possuem uma resolução de uns 200 anos por camada.
Nós conseguimos obter dados detalhados que se referem apenas à transição entre
a Idade do Bronze e a Idade do Ferro [grosso modo, entre 1300 a.C. e 1000
a.C.], com resolução de 25 anos a 40 anos."
São dados, portanto,
que funcionam como uma espécie de cápsula do tempo. Conforme o pólen ia sendo
depositado no fundo do mar da Galileia e do mar Morto, numa ordem que vai do
mais antigo ao mais recente, ele passou a formar um registro das mudanças
ambientais pelas quais o Oriente Médio estava passando ao longo das décadas.
A análise do pólen
permite determinar tanto o tipo quanto a quantidade de vegetação que existia no
entorno desses corpos d'água (apesar do apelido de "mar", eles não
passam de grandes lagos). E foi assim que Finkelstein e seus colegas
arqueobotânicos (que estudam as plantas do passado) acharam indícios de secas
prolongadas numa região que já não é célebre pela abundância de água. Uma
palavra resume as consequências das ondas de secura: caos.
Como os arqueólogos já
sabiam, entre 1250 a.C. e 1100 a.C. os grandes impérios do Mediterrâneo na
Idade do Bronze entram em colapso. Deixam de existir o Império Hitita, na atual
Turquia, os reinos micênicos, na atual Grécia, e até o poderoso Egito mal
consegue escapar.
Antes da catástrofe, os
faraós dominavam todo o atual território israelense, palestino e libanês, além
de vastas áreas da Síria e da Jordânia modernas.
Tudo indica que as alterações climáticas geraram tanto rebeliões internas (muito provavelmente ligadas às colheitas que não estavam vingando) quanto estimularam o ataque de tribos bárbaras (e famintas) às cidades do Oriente Médio.
Tudo indica que as alterações climáticas geraram tanto rebeliões internas (muito provavelmente ligadas às colheitas que não estavam vingando) quanto estimularam o ataque de tribos bárbaras (e famintas) às cidades do Oriente Médio.
"A ideia é que
isso desestabilizou totalmente tanto as populações que viviam em áreas de
estepe, a leste do rio Jordão, quanto muitos dos moradores das cidades-Estado
do litoral", conta Finkelstein. De quebra, algumas dessas cidades estavam
sendo atacadas e destruídas por invasores, como os filisteus.
A região montanhosa no
centro da Terra Santa, hoje correspondente, grosso modo, à Cisjordânia, era o
lugar ideal para fugir do caos e da fome porque era uma área pouco povoada na
época, além de relativamente fértil e não tão seca quanto outras áreas da
vizinhança.
De fato, nas fases
finais do colapso dos impérios da Idade do Bronze, é ali que começam a pipocar
centenas de vilarejos rurais, com localizações associadas ao que seria, segundo
a Bíblia, o território original das tribos israelitas.
Segundo esse cenário,
hoje aceito pela maioria dos arqueólogos, o povo de Israel teria surgido dentro
da própria Terra Santa (ou Canaã, como era conhecida na Antiguidade), como uma
espécie de dissidência dos moradores originais da região, os cananeus.
Argumentos em favor
dessa ideia são o fato de que os artefatos dos primeiros vilarejos da região
montanhosa são quase idênticos aos dos cananeus que viveram antes ali, além do
detalhe de que o hebraico é um dialeto cananeu, muito próximo do fenício (que
era falado no atual Líbano).
Ou seja, tanto o êxodo
liderado por Moisés quanto a conquista de Canaã liderada por Josué seriam quase
totalmente lendários.
CADÊ
O SALOMÃO?
Finkelstein também
defendeu outra de suas ideias polêmicas que tem ganhado cada vez mais aceitação
entre os pesquisadores: a de que as narrativas sobre um glorioso "Reino
Unido" israelita, governado inicialmente por David e depois por seu filho
Salomão, também é lendária.
O arqueólogo diz que
David e Salomão provavelmente são personagens reais, mas que seus feitos foram
muito exagerados por seus descendentes como forma de fortalecer os interesses
políticos da monarquia de Jerusalém.
"Certamente havia
um pequeno núcleo urbano em Jerusalém na época deles [entre 1000 a.C. e 930
a.C.], mas os dois não passavam de chefes militares tribais", argumenta o
pesquisador.
Os críticos do trabalho
do pesquisador afirmam que ele ignora dados que indicariam a presença de um
Estado centralizado na antiga capital de Judá durante a era salomônica.
"O problema de
Jerusalém, na minha opinião, é que o núcleo mais antigo da cidade não está na
chamada Cidade de David, onde as pessoas conseguem escavar hoje, mas na região
do Templo, hoje ocupada pelo Domo da Rocha", diz Finkelstein.
Como se trata de uma
das áreas mais sagradas do islamismo, é improvável que os arqueólogos recebam
permissão para escavar lá algum dia, afirma ele.
Fonte: Folha de S.Paulo
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