Introdução
Toda
palavra contida na Escritura, seja anúncio ou narração, exortação ou
mandamento, oração ou reflexão sapiencial, faz referência a alguns
acontecimentos nos quais Deus interveio para outorgar a salvação aos seres
humanos. Segundo W. Panennberg, “Deus se revelou através da história”. Os
profetas tiveram uma relação estreita com Yahweh, Deus de Israel, através
deles, Deus transmitiu ao povo seus juízos e promessas.
1 Os Profetas e a História
1.1 Os profetas, testemunhos
da história.
Os
livros proféticos são um reflexo da época em que foram escritos e das
circunstâncias que rodearam o profeta.[1]
Os profetas estavam bem informados sobre a política do seu tempo, mas não
adotaram posturas utópicas. Simplesmente consideraram as instituições políticas
do seu povo e as das nações estrangeiras como instrumentos nas mãos de Yahweh
para levar adiante seu plano.
Ø A
atividade do profeta está acima das encruzilhadas políticas. Mas até que ponto
a atividade de cada profeta influenciou as decisões concretas dos reis.
-
Intervenção
de Isaías na guerra Siro-efraimita.
-
Influência
de Jeremias na crise que a invasão babilônica provocou nos deportados e nos que
ficaram em Jerusalém.
Os
profetas eram bons conhecedores dos acontecimentos da sua época.
1.2 Os profetas, intérpretes
da história.
Os
profetas não se limitam a testemunhar os acontecimentos dos quais são
protagonistas, mas aprofundam o seu sentido. Nas palavras de José Luis Sicre:
“eles fincam pé na força da Palavra de Deus como criadora da história (Is
55.10-15)”.[2]
A
interpretação da história nos profetas baseia-se em três idéias fundamentais: o
monoteísmo, a eleição do povo e a missão
específica entre as nações.[3]
a)
Monoteísmo: visto haver um
só Deus, é ele o autor da história. Não tem nenhum sucesso quem escapa ao seu
controle. A Ele deve ser atribuído tanto os benefícios quanto as desgraças.
Quando Israel passa os seus piores momentos e tende a buscar apoio em outros
povos ou deuses, surge um profeta que o confirma na verdade: Am 5.5-6. Assíria,
Babilônia ou Egito são as potências opressoras: são nações idólatras. Quando
estas nações triunfam em seus projetos, seria possível entender que os deuses,
protetores destas nações, estavam triunfando sobre o Senhor. O ensinamento
profético não admite dúvida: Deus mesmo é quem anima estas nações que se
encarregarão de afligir a Israel o castigo merecido: Am 6.14.
Jeremias apresenta Babilônia
como instrumento nas mãos de Yahweh (Jr 5.15; Is 5.26). O segundo Isaías
interpretará o surgimento e o crescimento da Pérsia como uma intervenção
benéfica de Yahweh (Is 45.1-3).[4]
B)
Eleição: ao surgirem as
nações, Yahweh quis escolher com predileção o povo de Israel. Porém, ao
fazê-lo, não o arrancou de entre os outros povos, mas o levou a viver entre
eles. Mas ainda, já que a eleição por si só não equivale a privilégios ou
falsas seguranças (Am 9.7). O povo de Israel deve ter consciência de que não é
o maior (Am 7.2-5), nem o mais rico (Am 6.2), nem o mais poderoso (Am 2.9).
Jeremias
2.1-7
Ezequiel
16.23
Isaías
50.1; 54.5
A eleição serve
de base para a exigência da responsabilidade de Israel (Am 3.1-2: 1- Ouvi esta palavra que o Senhor fala
contra vós, filhos de Israel, contra toda a geração que fiz subir da terra do
Egito, dizendo: 2- De todas as famílias da terra a vós somente conheci;
portanto, todas as vossas injustiças visitarei sobre vós: 3- Andarão dois
juntos, se não estiverem de acordo?). “Yahweh castiga o seu povo não em uma
explosão de ira, mas de misericórdia: não pode aniquilá-lo, nem pode deixar
impune o rompimento da aliança”. O senhor não busca a ruína do povo mas a sua
conversão.
C)
Missão: a missão consiste em tornar as gentes
participes das bênçãos e dos benefícios recebidos de Yahweh (Is 2.3-4 e Mq 4.2:
E irão muitas nações, e dirão: Vinde, e
subamos ao monte do Senhor, e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os
seus caminhos, e nós andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e
a palavra do Senhor de Jerusalém.). O segundo Isaías conta a íntima relação
Deus-povo com uma linguagem intima e afetiva: Isaías 41.8-10.
A
história é o marco no qual nasce e se desenvolve a profecia. Os profetas
despertam a esperança dos seus ouvintes entre oráculos de condenação e
salvação, proclamados na perspectiva dos acontecimentos históricos que eles são
chamados a viver.
2 Os Profetas: Perturbadores
As
profecias vêm sendo interpretadas pela teologia cristã pelo ângulo do seu
cumprimento no Cristo. Tal idéia despreza por completo, a função dos profetas,
que antes de tudo, pretendiam anunciar o juízo sobre Israel.
Diz Claus Westermann[5],
que os profetas combateram a apostasia sempre iminente no povo; eles exortaram
ao povo a se manter fiel à Yahweh, advertiram e ameaçaram com castigo, ao mesmo
tempo que proclamaram a salvação ao resto que sobrasse do cataclisma.
a)
Porta-voz: os profetas eram
porta-vozes da mensagem divina. Com suas pregações incômodas deram em cheio
contra a infidelidade do povo. A oposição causava sofrimento e perseguições. Os
profetas gemiam ante a inutilidade de seus trabalhos e empenhos (Is 49.4: Mas eu disse: Debalde tenho trabalhado,
inútil e vãmente gastei as minhas forças; todavia o meu direito está perante o
Senhor, e o meu galardão perante o meu Deus).
b)
A mensagem: os profetas
censuravam todas as áreas da vida do povo, mas principalmente as violações dos
mandamentos capazes de trazer riscos a existência da nação.[6]
Os casos concretos variam de
profeta para profeta, de situação para situação:
Ø Isaías:
acusação de cunho político.
Ø Jeremias:
desaprova a autonomia nas decisões políticas sem consultas prévias da vontade
de Deus.
Ø Oséias:
ataca os reis e os chefões. Segundo Claus Westermann: “jamais um profeta
organizava a oposição contra um rei. Limitavam-se a falar e a padecer as
conseqüências”.[7]
Ø Amós
e Miquéias: atacam os abusos sociais, estendidos até o campo econômico e
cultural.
Ø Os
profetas denunciam ainda a vida luxuosa, constratando ostensivamente com a
miséria dos indigentes, das viúvas e dos órfãos, ao passo que fora vontade de
Deus que todos possuíssem a mesma participação no território da terra
prometida.
c)
Campo religioso: a acusação mais
apaixonada dos profetas é no campo religioso, porquanto o culto divino ocupava
o lugar central no coração do povo. Um profeta falar em nome de Deus, contra o
culto divino, é comovedor; mas eles falaram seriamente, e só alguns poucos
entenderam e acolheram a pregação profética:
. Ofertaram
os sacrifícios com mãos manchadas de sangue! (Is 1.10-17; Am 2.8);
. Culto
hipócrita (Jr 7.1-15; Is 66.1-2);
. Repreensão
aos sacerdotes (Jr 2.8);
. Luta
contra os falsos profetas (Jr 28).
Cabia
aos profetas legítimos condenar qualquer desvio das profecias autenticamente
esperançosas.
Os
profetas pregavam no tempo presente, tinham ante os olhos as desordens
presentes, que atraiam a ira de Yahweh, de modo que o castigo futuro era a conseqüência
lógica da transgressão presente.[8]
O interesse do profeta estava voltado também para o passado, evocando tudo o
que já acontecera entre Deus e o seu povo (Is 5.1-7).
3 Profeta Autêntico e Profeta Falso
3.1
Profeta
autêntico.
a)
Jamais tiveram eles a iniciativa
de um contato com Yahweh; foi ele quem os surpreendeu, sem a interferência da
vontade dos profetas. Amós descreve-o dizendo: “o leão ruge: quem não termerá?
O Senhor Yahweh fala: quem não profetizará?” (Am 3.3-8).
b)
Eles se tornam instrumento de Yahweh
não em um momento de êxtase, mas em plena consciência; ouviram, observaram e
responderam. Isaías ouviu uma voz que perguntava: “A quem enviarei? Quem será
meu mensageiro?” E numa livre decisão ele respondeu: “Eis-me aqui; envia-me!
(Is 6.8-9).
c)
Alguém que Deus surpreende, ele
reluta (Jr 1.6-7), se apavora (Am 3.8), Ezequiel se sente agarrado pela sua
mão. O profeta é surpreendido e subjugado; de modo que dizer, teve que ser
profeta.[9]
É enviado a rebeldes e obstinados (Ez 2.3:
E disse-me: Filho do homem eu te envio aos filhos de Israel, às nações rebeldes
que se rebelaram contra mim; eles e seus pais prevaricaram contra mim, até este
mesmo dia). Sua mensagem leva a solidão (Jr 15.17: Nunca me assentei no congresso dos zombadores, nem me regozijei; por
causa da tua mão me assentei solitário, pois me encheste de indignação) e á
perseguição (Am 7.10; Jr 20.10). Cada um dependia da Palavra de Yahweh, que os
chamava continuamente à ação (Jr 15.19-21) e da força de Yahweh, que os impelia
sem cessar (Mq 3.8).[10]
d)
O profeta enquanto “escolhido”,
“santificado” e consequentemente “separado” (Jr 1.5), esta em uma relação
estreita com Yahweh, Deus de Israel, que se torna assim o “seu” Deus. De sua
parte o profeta se torna sujeito de dois títulos específicos: “Homem de Deus”[11]
e “Servo de Deus”.
e)
O profeta está colocado como
mediador entre Yahweh e Israel: “Ele ama a ambos e a ambos pertence”.[12]
f)
O profeta vislumbra as coisas
vindouras não somente através de palavra articulada, mas também através de toda
sorte de atos simbóliocos, por vezes extremamente estranhos[13]
(Is 8. 1-4; 20.11; Jr 19.1).
3.2 Falso
profeta
Sobre
os falsos profetas sedutores diz Miquéias (Mq 3.5: Assim diz o Senhor contra os profetas que fazem errar o meu povo, que
mordem com os seus dentes, e clamam: Paz! mas contra aquele que nada lhes mete
na boca preparam guerra).
Jeremias
caracteriza os falsos profetas dizendo (Jr 23.14: Mas nos profetas de Jerusalém vejo uma coisa horrenda: cometem
adultérios, e andam com falsidade, e esforçam as mãos dos malfeitores, para que
não se convertam da sua maldade; eles têm-se tornado para mim como Sodoma, e os
moradores dela como Gomorra).
Apenas
um profeta verdadeiro tem capacidade para desmascarar o falso.
Conclusão
O
verdadeiro profeta pode sofrer insucessos nas mãos do falso, mas confia na
Palavra do seu Deus, palavra que lhe dá nova autoridade (Jr 28.11: E falou Hananias aos olhos de todo o povo,
dizendo: Assim diz o Senhor: Assim quebrarei o jugo de Nabucodonozor, rei de
Babilônia, depois de passados dois anos completos, de sobre o pescoço de todas
as nações. E Jeremias, o profeta, se foi seu caminho), coisa que jamais
poderá fazer sozinho; pode às vezes esperar em desespero por dez dias, mas ele
acaba por fazê-lo (Jr 42.7: E sucedeu que
ao fim de dez dias veio a palavra do Senhor a Jeremias; Is 8.17: E esperarei ao Senhor, que esconde o seu
rosto da casa de Jacó, e a ele aguardarei).
Bibliografia
RAD,
Gerhard von. Teologia do Antigo
Testamento. 2. ed. São Paulo: Aste; Targumim, 2006. p. 530.
SICRE,
Luis José. org. Os profetas. 2. ed.
São Paulo: Paulinas, 2007.
SHREINER,
Josef. Palavra e Mensagem do Antigo
Testamento. São Paulo: Teológica, 2004.
WESTERMANN,
Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo
Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2005.
WILSON,
Robert R. Profecia e Sociedade no Antigo
Israel. 2. ed. São Paulo: Targumim; Paulus, 2006.
WOLFF,
Hans Walter. Bíblia Antigo Testamento.
São Paulo: Teológica, 2003.
David Rubens
Pindamonhangaba-SP
[1] SICRE, Luis José. org. Os
profetas. 2. ed. São Paulo. Paulinas: 2007. p. 64.
[2] Ibidem, p. 67.
[3] SICRE, Luis José. org. Os
profetas. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 67.
[4] Ibidem, p. 68.
[5] WESTERMANN, Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo
Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2005. p. 239.
[6] Ibidem, p. 147.
[7] Ibidem, p. 151.
[8] WESTERMANN, Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo
Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2005. p. 148.
[9] SHREINER, Josef. Palavra e Mensagem do Antigo Testamento.
São Paulo: Teológica, 2004. p. 176.
[10] WOLFF, Hans Walter. Bíblia Antigo Testamento. São Paulo:
Teológica, 2003. p. 79.
[11] O homem de Deus entendido
no sentido de servo de Deus. É sinônimo de profeta, sendo ambos os títulos
aplicados às vezes ao mesmo indivíduo (1Sm 3.20; 9.6,7,8), a área geográfica
determinava o uso do titulo. WILSON, Robert R. Profecia e Sociedade no Antigo Israel. 2. ed. São Paulo: Targumim;
Paulus, 2006. p. 174.
[12] SHREINER, Josef. Palavra e Mensagem do Antigo Testamento.
São Paulo: Teológica, 2004. p. 177.
[13] RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. 2. ed.
São Paulo: Aste; Targumim, 2006. p. 530.
Nenhum comentário:
Postar um comentário