segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

288 - Formação do Novo Testamento: Breve Introdução

 

O Novo Testamento não existia quando começou o cristianismo. Desde o começo somente ao Antigo Testamento é que se atribuía o caráter de Escritura Sagrada. A formação do cânon do Novo Testamento com os seus vinte e sete escritos, todos muito diferentes entre si, foi uma evolução gradual que ocorreu entre o fim do século II e o século IV. O “cânon”[1] não é o resultado de um processo de colecionar mas de um processo de separar certos escritos considerados como normativos de uma massa de outra literatura eclesiástica e herética.[2]

1. Princípios segundo os quais se fez a seleção
Alguns dos princípios segundo os quais se fez a seleção - tais como autoria direta ou, talvez, somente mediata, dos apóstolos - se evidenciaram como errôneas.
O cânon do Novo testamento é um produto de uma história terre e humana. Não caiu do céu como uma revelação. O impulso por detrás de sua formação, não veio da Igreja, mas de Marcião,[3] que no meio do século II fundou uma contra-igreja. Marcião rejeitava o Antigo Testamento, considerava-o não como a revelação do Deus cristão de amor, mas de outro Deus, um Deus judaico inexoravelmente “justo”.[4]
De acordo com isso Marcião fez sua seleção rigorosa das escrituras cristãs aceitáveis. Seu cânon só tinha onze livros agrupados em duas seções, o Evangelho, uma versão do Evangelho de Lucas e dez cartas do apóstolo Paulo, a quem ele considerava como o mais correto intérprete e transmissor da mensagem evangélica de Jesus. Ambas as seções também foram purgadas de elementos relacionados à infância de Jesus, a religião judaica e outros materiais que contestavam a sua teologia dualista.
A batalha contra essa heresia de Marcião, com o seu dualismo e negação da criação, exerceu um papel importante na formação do Cânon da Igreja.
Sobre o Cânon Kümmel afirma:


Muito provavelmente, no fim do século I já havia uma coleção das epístolas de Paulo. Na verdade, uma coleção de dez epístolas paulinas (sem as Epístolas Pastorais) só aparece claramente confirmada em Marcião, por volta do ano 140, mas é bem pouco provável que Marcião tenha sido o primeiro a reunir tais epístolas.[5]


Harnack[6] defende a tese de que Marcião fora o primeiro a promover a idéia de uma nova Sagrada Escritura, bem como de sua divisão em duas partes, e de que a Igreja o seguira em ambos os aspectos.[7]
 
2. Novo Testamento, corpus canônico das escrituras cristãs
Novo Testamento, não era entendido como um título de um livro, mas como uma afirmação teológica, significando tanto a unidade como a diferença entre a revelação de Deus na Antiga Aliança e seu cumprimento em Cristo.[8] O conceito tem suas raízes em 2Co 3.6, onde Paulo aponta a promessa vétero-testamentária de uma nova aliança em Jr 31.31 e coloca lado a lado a aliança “antiga” e a “nova”,[9] coordenando-as ao mesmo tempo uma com a outra.

3. Origem do termo, Testamento
Na Septuaginta[10], a palavra hebraica para “aliança” em Jr 38.31 foram traduzida por diathéke, que originalmente significava ordenação, dispensação, e economia de salvação. Em latim, por sua vez, a palavra grega foi traduzida por testamentum. Essa palavra latina não significava a ultima vontade e testamento da pessoa ao morrer, mas era portadora da força do sentido grego. Dessa maneira indiretamente, “AT” e “NT” tornaram-se a designação das duas partes do Cânon Bíblico.

4. Jesus Cristo tema do Novo Testamento
No Antigo Testamento uma tumultuada sequência de acontecimentos que cobrem um milhar de anos de história, desde o êxodo de Israel do Egito, passando por seus altos e baixos, até a perda de seu próprio Estado independente e a reconstituição da nação judaica depois do exílio.[11]
O tema do Novo Testamento parece espantosamente simplificado. Pode ser reduzido a um só nome, Jesus Cristo.
Todos os personagens que cruzam as páginas do Novo Testamento são importantes somente enquanto aparece à luz ou à sombra de Jesus. Os cristãos das origens não se interessavam pela mera sequência de fatos históricos nem por descrições dos fatos do próprio Jesus. O seu interesse por Jesus e sua história era realmente um interesse por um acontecimento entre Deus e o mundo, do sentido definitivo e salvífico que nele transparecia.

5. Divisão do Novo Testamento
Os escritos como se acham em nossas bíblias podem dividir-se em três grupos:
Livros históricos (os Evangelhos e Atos) = história passada que é a base da fé.
Livros didáticos (as epístolas) = sistema de doutrina cristã válida para todos os tempos.
Livro profético (Apocalipse) = um quadro do futuro e do fim do mundo.
Mas um estudo mais preciso haverá de mostrar que essa divisão simplificada de tempo em três períodos é insustentável. Porque todos os escritos do Novo Testamento refere-se retrospectivamente na fé ao evento de Cristo, bem como todos eles, ainda que de diversas maneiras, referem-se tanto ao presente como ao futuro.[12]

Conclusão
Que é o Novo Testamento? Ele é o documento original da fé cristã, não no sentido em que o historiador entende este termo. O Novo Testamento é um documento “histórico”, não em sentido arquivístico, mas somente no sentido de ser a proclamação primeira, o apelo original e fundamental à fé. O Novo Testamento expressa as muitas e variadas maneiras e efeitos da fé cristã das origens,[13] de tal modo que envolve o leitor na contínua luta entre fé e conhecimento, na batalha pessoal entre verdade e o erro.   

Bibliografia
BORNKAMM, Günther. Bíblia Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003.
BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento, trad. Ilson Kayser. São Paulo: Teológica, 2004.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Trad. João Paixão, Isabel Fontes Leal Ferreira. 17 ed. São Paulo: Paulinas, 1982.

 David Rubens
Pindamonhangaba-SP






[1] O Cânone Bíblico designa o inventário ou lista de escritos ou livros considerados pelo cristianismo como tendo evidências de Inspiração Divina. Cânone, em hebraico é qenéh e no grego kanóni, têm o significado de “régua” ou “cana [de medir]”, no sentido de um catálogo. A formação do cânone bíblico se deu gradualmente.
[2] Ainda existem algumas dessa outra literatura; algumas em fragmentos e muito dela se perdeu totalmente.
[3] Marcião de Sínope  (85 - 160 d.C). Hipólito relata que Marcião era filho de um bispo na cidade de Sinope, na província romana do Ponto (atualmente na Turquia). Seu contemporâneo Tertuliano o descreve como um proprietário de barcos. Marcião provavelmente foi consagrado bispo, provavelmente um assistente ou um sufragâneo de seu pai em Sinope. Marcião é às vezes chamado de o filósofo do Gnosticismo. Em alguns aspectos essenciais, ele propôs ideias que se alinham bem com o pensamento gnóstico. Assim como eles, Marcião argumentava que Jesus era essencialmente um espírito aparecendo aos homens e não totalmente humano.
[4] Um dogmatismo rígido, baseado em uma interpretação crua de Paulo.
[5] KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Trad. João Paixão, Isabel Fontes Leal Ferreira. 17 ed. São Paulo: Paulinas, 1982. p. 633.
[6] Adolf von Harnack (1851-1930) foi um teólogo alemão, além de historiador do cristianismo.
[7] KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Trad. João Paixão, Isabel Fontes Leal Ferreira. 17 ed. São Paulo: Paulinas, 1982. p. 642.
[8] BORNKAMM, Günther. Bíblia Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003. p. 13.
[9] Lei e Evangelho.
[10] Septuaginta é o nome da versão da Bíblia hebraica para o grego koiné, traduzida em etapas entre o terceiro e o primeiro século a.C. em Alexandria. Dentre outras tantas, é a mais antiga tradução da bíblia hebraica para o grego, língua franca do Mediterrâneo oriental pelo tempo de Alexandre, o Grande. A tradução ficou conhecida como a Versão dos Setenta (ou Septuaginta, palavra latina que significa setenta, ou ainda LXX), pois setenta e dois rabinos trabalharam nela e, segundo a história, teriam completado a tradução em setenta e dois dias.
[11] BORNKAMM, Günther. Bíblia Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003. p. 14.
[12] Ibidem, p. 15.
[13] É errôneo minimizar as diferenças e contradições.


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Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.