O Novo Testamento não existia
quando começou o cristianismo. Desde o começo somente ao Antigo Testamento é
que se atribuía o caráter de Escritura Sagrada. A formação do cânon do Novo
Testamento com os seus vinte e sete escritos, todos muito diferentes entre si,
foi uma evolução gradual que ocorreu entre o fim do século II e o século IV. O
“cânon”[1]
não é o resultado de um processo de colecionar mas de um processo de separar
certos escritos considerados como normativos de uma massa de outra literatura
eclesiástica e herética.[2]
1.
Princípios segundo os quais se fez a
seleção
Alguns dos princípios segundo os
quais se fez a seleção - tais como autoria direta ou, talvez, somente mediata,
dos apóstolos - se evidenciaram como errôneas.
O cânon do Novo testamento é um
produto de uma história terre e humana. Não caiu do céu como uma revelação. O
impulso por detrás de sua formação, não veio da Igreja, mas de Marcião,[3]
que no meio do século II fundou uma contra-igreja. Marcião rejeitava o Antigo
Testamento, considerava-o não como a revelação do Deus cristão de amor, mas de
outro Deus, um Deus judaico inexoravelmente “justo”.[4]
De acordo com isso Marcião fez
sua seleção rigorosa das escrituras cristãs aceitáveis. Seu cânon só
tinha onze livros agrupados em duas seções, o Evangelho, uma versão do Evangelho
de Lucas e dez cartas do apóstolo Paulo, a quem ele considerava como o mais
correto intérprete e transmissor da mensagem evangélica de Jesus. Ambas as
seções também foram purgadas de elementos relacionados à infância de Jesus, a
religião judaica e outros materiais que contestavam a sua teologia dualista.
A batalha contra essa heresia de
Marcião, com o seu dualismo e negação da criação, exerceu um papel importante
na formação do Cânon da Igreja.
Sobre o Cânon Kümmel afirma:
Muito provavelmente, no fim do século I já havia uma
coleção das epístolas de Paulo. Na verdade, uma coleção de dez epístolas
paulinas (sem as Epístolas Pastorais) só aparece claramente confirmada em
Marcião, por volta do ano 140, mas é bem pouco provável que Marcião tenha sido
o primeiro a reunir tais epístolas.[5]
Harnack[6]
defende a tese de que Marcião fora o primeiro a promover a idéia de uma nova
Sagrada Escritura, bem como de sua divisão em duas partes, e de que a Igreja o
seguira em ambos os aspectos.[7]
2.
Novo Testamento, corpus canônico das
escrituras cristãs
Novo Testamento, não era
entendido como um título de um livro, mas como uma afirmação teológica,
significando tanto a unidade como a diferença entre a revelação de Deus na
Antiga Aliança e seu cumprimento em Cristo.[8]
O conceito tem suas raízes em 2Co 3.6, onde Paulo aponta a promessa
vétero-testamentária de uma nova aliança em Jr 31.31 e coloca lado a lado a
aliança “antiga” e a “nova”,[9]
coordenando-as ao mesmo tempo uma com a outra.
3.
Origem do termo, Testamento
Na Septuaginta[10],
a palavra hebraica para “aliança” em Jr 38.31 foram traduzida por diathéke, que originalmente significava
ordenação, dispensação, e economia de salvação. Em latim, por sua vez, a
palavra grega foi traduzida por testamentum.
Essa palavra latina não significava a ultima vontade e testamento da pessoa ao
morrer, mas era portadora da força do sentido grego. Dessa maneira
indiretamente, “AT” e “NT” tornaram-se a designação das duas partes do Cânon
Bíblico.
4.
Jesus Cristo tema do Novo Testamento
No Antigo Testamento uma
tumultuada sequência de acontecimentos que cobrem um milhar de anos de
história, desde o êxodo de Israel do Egito, passando por seus altos e baixos,
até a perda de seu próprio Estado independente e a reconstituição da nação judaica
depois do exílio.[11]
O tema do Novo Testamento parece
espantosamente simplificado. Pode ser reduzido a um só nome, Jesus Cristo.
Todos os personagens que cruzam
as páginas do Novo Testamento são importantes somente enquanto aparece à luz ou
à sombra de Jesus. Os cristãos das origens não se interessavam pela mera
sequência de fatos históricos nem por descrições dos fatos do próprio Jesus. O
seu interesse por Jesus e sua história era realmente um interesse por um
acontecimento entre Deus e o mundo, do sentido definitivo e salvífico que nele
transparecia.
5.
Divisão do Novo Testamento
Os escritos como se acham em
nossas bíblias podem dividir-se em três grupos:
1ª Livros históricos (os Evangelhos e Atos) = história passada que é a
base da fé.
2ª Livros didáticos (as epístolas) = sistema de doutrina cristã válida
para todos os tempos.
3ª Livro profético (Apocalipse) = um quadro do futuro e do fim do
mundo.
Mas um estudo mais preciso haverá
de mostrar que essa divisão simplificada de tempo em três períodos é
insustentável. Porque todos os escritos do Novo Testamento refere-se
retrospectivamente na fé ao evento de Cristo, bem como todos eles, ainda que de
diversas maneiras, referem-se tanto ao presente como ao futuro.[12]
Conclusão
Que é o Novo Testamento? Ele é o
documento original da fé cristã, não no sentido em que o historiador entende
este termo. O Novo Testamento é um documento “histórico”, não em sentido
arquivístico, mas somente no sentido de ser a proclamação primeira, o apelo
original e fundamental à fé. O Novo Testamento expressa as muitas e variadas
maneiras e efeitos da fé cristã das origens,[13]
de tal modo que envolve o leitor na contínua luta entre fé e conhecimento, na
batalha pessoal entre verdade e o erro.
Bibliografia
BORNKAMM, Günther. Bíblia Novo Testamento. São Paulo:
Teológica, 2003.
BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento, trad.
Ilson Kayser. São Paulo: Teológica, 2004.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento.
Trad. João Paixão, Isabel Fontes Leal Ferreira. 17 ed. São Paulo: Paulinas,
1982.
David Rubens
Pindamonhangaba-SP
[1] O Cânone
Bíblico designa o inventário ou lista de escritos ou livros considerados
pelo cristianismo como tendo evidências de Inspiração Divina. Cânone, em hebraico
é qenéh e no grego kanóni, têm o significado de “régua” ou “cana
[de medir]”, no sentido de um catálogo. A formação do cânone bíblico se deu
gradualmente.
[2]
Ainda existem algumas dessa outra literatura; algumas em fragmentos e muito
dela se perdeu totalmente.
[3] Marcião de
Sínope (85 - 160 d.C). Hipólito relata que Marcião
era filho de um bispo na cidade de Sinope, na província romana do Ponto
(atualmente na Turquia). Seu contemporâneo Tertuliano o descreve como um
proprietário de barcos. Marcião provavelmente foi consagrado bispo,
provavelmente um assistente ou um sufragâneo de seu pai em Sinope. Marcião é às
vezes chamado de o filósofo do Gnosticismo. Em alguns aspectos essenciais, ele
propôs ideias que se alinham bem com o pensamento gnóstico. Assim como eles,
Marcião argumentava que Jesus era essencialmente um espírito aparecendo aos
homens e não totalmente humano.
[4] Um
dogmatismo rígido, baseado em uma interpretação crua de Paulo.
[5] KÜMMEL, Werner Georg. Introdução
ao Novo Testamento. Trad. João Paixão, Isabel Fontes Leal Ferreira.
17 ed. São Paulo: Paulinas, 1982. p. 633.
[7] KÜMMEL, Werner Georg. Introdução
ao Novo Testamento. Trad. João Paixão, Isabel Fontes Leal Ferreira.
17 ed. São Paulo: Paulinas, 1982. p. 642.
[8]
BORNKAMM, Günther. Bíblia Novo
Testamento. São Paulo: Teológica, 2003. p. 13.
[9]
Lei e Evangelho.
[10] Septuaginta é o nome da versão da Bíblia
hebraica para o grego koiné, traduzida em etapas entre o terceiro e o primeiro
século a.C. em Alexandria. Dentre outras tantas, é a mais antiga tradução da
bíblia hebraica para o grego, língua franca do Mediterrâneo oriental pelo tempo
de Alexandre, o Grande. A tradução ficou conhecida como a Versão dos Setenta (ou Septuaginta, palavra latina que
significa setenta, ou ainda LXX),
pois setenta e dois rabinos trabalharam nela e, segundo a história, teriam
completado a tradução em setenta e dois dias.
[11]
BORNKAMM, Günther. Bíblia Novo
Testamento. São Paulo: Teológica, 2003. p. 14.
[12]
Ibidem, p. 15.
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