1. As Origens de João Batista
O que sabemos de João
Batista se deve ao curioso relato de Lucas 1.5-25; 57-80, que provavelmente vem
de uma tradição dos grupos seguidores de João. A narração tem um evidente tom
etiológico, já que é feita para justificar a missão posterior de João. Segundo
Senén Vidal, “o modelo da narração é típico da tradição israelita sobre origens
maravilhosas de personagens famosos”.[1]
A origem histórica de
João esta numa família sacerdotal rural. A indicação sobre a abstinência de
bebidas alcoólicas (Lc 1.15) é uma antecipação do estilo de vida do posterior
profeta do deserto, e esta também relacionado com o caráter sacerdotal de João,
pois parece referir-se à norma sobre o serviço dos sacerdotes (Lv 10.9).
2. O Batismo e a Oposição ao Templo
O fato estranho e
absolutamente novo na tradição israelita quanto aos ritos batismais, de que
João efetuava o batismo de conversão “para o perdão dos pecados” (Mc 1.4)
talvez aponte que ele exercia uma função mediadora do perdão de Deus, ao estilo
da que exerciam os sacerdotes por meio de seu serviço no Templo.
A oposição ao culto
sacrificial do Templo poderia ter seu ponto de apoio na experiência de
desilusão de um sacerdote rural ante o aparato do Templo em Jerusalém, dominado
por uma aristocracia sacerdotal opressora (João apoiado na figura critica de
Elias, Lc 1.16-17. Elias também tinha características sacerdotais, além de profética).
3. Sacerdote do Deserto
A notícia do crescimento
de João no deserto (Lc 1.8), não se trata de uma notícia histórica, mas de uma
simples indicação literária que teria a função de ligar o relato das origens de
João com relato de sua missão posterior, que teve lugar no deserto.
Vidal informa que:
Não existem dados suficientes para
resolver a possível conexão das origens de João com o movimento essênio,
concretamente como comunidade de Qumran, um grupo especial dentro do amplo
movimento essênio da palestina de então”.[2]
No entanto, a origem
sacerdotal rural de João, se enquadraria com sua pertença à comunidade
qumrânica, dado que esta era dirigida por um grupo sacerdotal separado da
aristocracia sacerdotal do Templo em Jerusalém.
O rito batismal de João
derivaria imediatamente da típica prática dos banhos purificadores da
comunidade de Qumran, só que João teria radicalizado seu sentido, convertendo o
batismo efetuado por ele num rito único e com caráter definitivo.
4. A Crise de Israel
Segundo a tradição, a
vocação profética de João se inflamou no contato com a situação crítica em que
o povo de Israel se encontrava. A adequada compreensão do projeto de João
exige, pois, umas precisões sobre o caráter da situação histórica do povo
palestino de então.
As dimensões da crise
eram muito variadas, porém todas apontavam para algo básico: a questão da
sobrevivência de Israel como povo assentado em sua tradição ancestral.
- Crise política: A situação de opressão e calamidade era sentida
como uma profunda injustiça ante a qual brotava inevitavelmente a pergunta pela
justiça libertadora de Deus em favor de seu povo eleito.[3]
- Crise religiosa: A dura experiência de calamidade convertia-se
assim numa aguda crise religiosa, que questionava a própria existência do povo fundado
na eleição e na aliança com Deus.
Ai está o pressuposto dos
numerosos movimentos de renovação que surgiram naquela época, dentre os quais
deve-se incluir o movimento profético de João.[4]
Além da crise política e
religiosa, era sentida também a crise econômica experimentada pela maior parte
do povo palestino do século I, especialmente o das aldeias, nas quais vivia a
maior parte da população daquela sociedade fundamentalmente agrária.
5. Causas da Crise Econômica
- Tipo ecológico: Em todas as regiões a maior parte do terreno era
muito pobre, as secas eram freqüentes, e além disso devia-se contar com as
catástrofes naturais.
- Ano Sabático: A terra ficava improdutiva a cada sete anos,
provocando uma escassez periódica de alimentos.
- Tipo Sociopolítico: Estrutura centralizada, acumulação de terras e
riquezas em mãos de uma minoria protegida pela administração, os grandes
proprietários que moravam nas cidades.[5]
- Rígido sistema de impostos: Sobre as pessoas físicas e
propriedades, além dos impostos dedicados ao Templo e aos sacerdotes, constitui
uma fonte de endividamento para uma grande parte da população camponesa.[6]
Para o povo de Israel, a
experiência dessa opressão econômica tinha uma conotação especial que lhe
causava uma autêntica crise de identidade.
6. A Visão do Profeta
João, judeu palestinense
do século I, teve de experimentar com força essa crise do Israel de seu tempo.
A visão que João tinha dessa crise era, com efeito, muito mais radical que a
dos diversos movimentos de renovação contemporâneos. Era a visão do profeta do
momento decisivo na história de Israel. Um testemunho dessa visão é transmitido
por Mateus, Mt 3.7-8.
Conclusão
A visão radical de João
foi o ponto de partida e a base de sua missão profética. Porém, a radicalização
dessa visão tinha a função de mostrar a radicalidade da libertação e da
renovação do povo que João apresentava em sua missão. É nesse amplo horizonte
de salvação que se deve situar o forte tom de advertência e de juízo da
proclamação de João. Igualmente nos profetas israelitas anteriormente a ele,
esse tom tinha por objeto não a condenação de Israel, mas precisamente sua
libertação e transformação.
A radical denuncia
apontava para a salvação radical.
David Rubens
Pindamonhanga-SP
[1]
VIDAL, Senén. Jesus, O Galileu. São
Paulo: Loyola, 2009. p. 21.
[2]
VIDAL, Senén. Jesus, O Galileu. São
Paulo: Loyola, 2009. p. 22.
[3]
RUBENS, David. Jesus: Modelo de Práxis
Social-Cristã. São Paulo: Kerygma, 2011. p. 19.
[4]
VIDAL, Senén. Jesus, O Galileu. São
Paulo: Loyola, 2009. p. 24.
[5]
RUBENS, David. Jesus: Modelo de Práxis
Social-Cristã. São Paulo: Kerygma, 2011. p. 27.
[6]
Ibidem, p. 19.
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