O título da obra de John P. Meier, Um judeu marginal, é provocativo e indica um personagem que está no
centro da difusão do cristianismo, mas que se situa "às margens" da
sociedade política e religiosa do seu tempo.
A análise é do teólogo
italiano Rosino Gibellini, doutor em teologia pela Universidade
Gregoriana de Roma e em filosofia pela Universidade
Católica de Milão, e republicado pelo blog Teologia, da Editora Queriniana,
13-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis
o texto.
"Jesus virou-se
e, vendo que o seguiam, perguntou: 'O que buscam?' Eles responderam: 'Rabi (…)
onde moras?' Jesus lhes disse: 'Venham e vejam'" (Jo 1, 38-39a).
Poder-se-ia citar essas
palavras, que soam como um convite para a busca, também para a incessante busca
do Jesus histórico, que é um capítulo criativo, dinâmico e ainda ativo dos
estudos históricos, bíblicos e teológicos.
Entre os nomes mais em
circulação, é preciso citar o do biblista norte-americano John Meier,
autor da obra Um judeu marginal. Repensando o Jesus histórico (Ed.
Imago), já publicada em quatro grossos tomos, em um total de cerca de 3.000
páginas e, agora, em fase de continuação e de conclusão.
O biblista da Notre
Dame University (South Bend, Indiana) já entregou à editora Yale
University Press (New Haven, Connecticut) o quinto volume, que está previsto
para ser publicado em edição inglesa e também em edição italiana – e já se pode
pensar que seguirá um sexto volume conclusivo (que não exclui um sétimo volume
final).
A obra é bem definida
pelo subtítulo Repensando o Jesus histórico. O título, Um judeu
marginal, é provocativo e indica um personagem que está no centro da difusão do
cristianismo, mas que se situa "às margens" da sociedade política e
religiosa do seu tempo.
Meier escreve:
"O primeiro e mais importante significado que dou ao termo aplicado a Jesus sublinha
a simples realidade de que, do ponto de vista da literatura judaica e pagã do
século posterior a Jesus, o Nazareno foi no máximo um 'pontinho' na tela do
radar. A pessoa que ia se tornar o centro religioso da civilização europeia
começou tão longe, na periferia, que era quase invisível. É esse paradoxo, ao
menos, que o rótulo 'marginal' pretende sublinhar para o leitor" (vol. 3,
16-17).
Meier está em busca
do Jesus histórico, alcançável pelos métodos da crítica histórica,
mas que não é o Jesus real (considerado na totalidade da sua personalidade) nem
o Jesus teológico da cristologia, que se vale de outras metodologias legítimas.
Escreve Meier:
"O que eu entendo, portanto, quando falo do Jesus histórico? O
Jesus histórico é aquele Jesus que podemos recuperar ou reconstruir
servindo-nos do equipamento científico da pesquisa histórica moderna aplicada
às fontes antigas. Por sua natureza, o Jesus histórico é uma abstração e uma
construção moderna. Ele não tem a mesma extensão da realidade completa de Jesus
de Nazaré, que compreende tudo o que Jesus de Nazaré disse ou fez durante os
cerca de 30 anos da sua vida" (vol. 4, 18).
O autor imagina, para
esse seu trabalho "historiográfico", um conclave não papal: "Se
um católico, um protestante, um judeu e um agnóstico – todos honestos
historiadores competentes dos movimentos religiosos do primeiro século – fossem
trancados nas entranhas da biblioteca da Harvard University School […],
sem a chance de sair antes de terem elaborado um documento comum sobre quem era
Jesus de Nazaré e sobre o que ele significou […]" (vol. 1, 7), Um
judeu marginal é o que, segundo Meier, esse documento revelaria.
A obra foi idealizada, no
início, como um único volume como Manual, mas foi pensado, e continua sendo
pensado, em quatro grandes partes, mesmo que os número dos tomos se ampliam,
até chegar agora, nas previsões, ao número de seis tomos.
Escreve Meier:
"O desejo de uma exposição global e imparcial exigiu, portanto, mais
espaço do que se pensou originalmente para esta biblioteca" (vol. 2, 7).
A biblioteca é o Anchor
Bible Reference Library, que representa uma das mais importantes bibliotecas de
estudos bíblicos em nível internacional.
A primeira parte
principal é metodológica e corresponde à primeira parte do Vol. 1, As
raízes do problema e da pessoa (1991). Nessa primeira parte do Vol.
1, As raízes do problema, dão-se todas as indicações necessárias sobre a
história do problema e do método histórico-crítico praticado. Extremamente
interessante, ele é uma introdução metodológica.
A segunda parte do Vol.
1, As raízes da pessoa, entra no tema, tratando sobre o nascimento, os
anos do desenvolvimento e do ambiente cultural de Jesus, necessários para
entender a cena na qual Jesus entrou no início do seu ministério. Essa segunda
parte do Vol. 1 constitiu a segunda parte principal da discussão, dedicada ao
contexto da vida de Jesus de Nazaré.
Em síntese: primeira
parte: o método; segunda parte: o contexto.
A terceira parte
principal se ocupa do ministério público e inclui o Vol. 2 e o Vol. 3.
O Vol. 2, Mentor,
mensagem e milagres (1994), se divide em três partes. A primeira parte,
sobre o Mentor, centra-se na única pessoa que exerceu a maior e singular
influência sobre o ministério de Jesus, ou seja, João Batista.
A segunda parte, a Mensagem:
"Toma-se a tal ponto como evidente que, no coração da mensagem de Jesus,
está o símbolo-chave do 'Reino de Deus'" (Vol 2, 20).
A terceira parte é
dedicada aos Milagres. A Bultmann e discípulos, que afirmam que
"o homem moderno não pode acreditar em milagres", Meier responde:
"Bultmann e companhia não podem vir me dizer o que o homem moderno não
pode fazer, quando os dados empíricos e sociológicos provam que o homem moderno
faz justamente aquilo que eles negam" (Vol. 2, 22), isto é, procuram
milagres.
O Vol 3, Companheiros
e antagonistas (2001), ainda pertence à terceira parte principal, sobre o
ministério público. Ele se divide em duas partes. A primeira parte explora a
relação de Jesus com os seus seguidores judeus (a multidão, os
discípulos, os doze).
A segunda parte explora a
relação de Jesus com os seus antagonistas judeus (os fariseus, os
saduceus, os essênios, os qumranitas, os samaritanos, os escribas, os
herodianos e os zelotas).
O Vol. 3 conclui a
segunda parte principal da obra, dedicada justamente ao ministério público.
Em síntese:
Primeira parte: Método
(Vol. 1)
Segunda parte: Contexto
(Vol. 1)
Terceira parte: Ministério
público (Vol. 2 e Vol. 3)
Com o Vol. 4, entramos na
quarta parte principal: os enigmas da vida de Jesus: leis, parábolas,
autodesignações, morte.
A obra se concluiria com
o Vol 4, intitulado Os últimos enigmas da vida de Jesus: leis, parábolas,
autodesignações, morte (Vol. 3, p. 648-649). Mas já o primeiro enigma, a
lei, envolveu o autor em um denso volume, o Vol. 4, Lei e amor(2009).
No Vol. 4, seguiram-se
todas as discussões de Jesus sobre a lei, escrita e oral. Meier escreve
repetidamente: "O Jesus histórico é o Jesus halakhico, isto é, o
Jesus preocupado e comprometido a discutir a Lei mosaica e as questões práticas
que dela brotam" (Vol. 4, p. 21).
Encontrei o autor no seu
escritório, enquanto, diante do seu computador, estava trabalhando sobre esse
quarto volume, em 2002, durante um congresso teológico do qual eu participava
na Notre Dame University, onde ele é professor de estudos bíblicos.
Ele se lamentava da
lentidão do trabalho, devida a motivos de saúde, mas também à grande quantidade
de referências textuais do patrimônio legal do judaísmo, que diziam respeito ao
tratamento do tema: Jesus e a Lei (que não deve ser
contraposto ao amor, e, de fato, o tema do Vol. 4 é formulado assim: Lei e
amor).
Meier já concluiu a
parte sobre o segundo enigma: o fato de Jesus falar em parábolas, e já o
entregou à nova direção, que passou do célebre estudioso Dr. David Noel
Freedman (que morreu em abril de 2008), junto à editora Doubleday, Nova
York, ao Prof. John Collins, junto à Yale University Press, New Haven
(Connecticut, EUA), que adquiriu o programa bíblico da Doubleday.
Como informa uma recente
correspondência com a editora Queriniana, o Prof. Meier comunicou que
o Prof. Collins avalia como "revolucionária" (revolutionary) o
tratamento das parábolas e, portanto, comunica que se proceda imediatamente à
edição como Vol. 5.
O autor deve adaptar-se a
essa decisão editorial. O Vol. 5 é esperado para 2015 em inglês e,
previsivelmente, também em italiano.
Portanto, restam os dois
últimos enigmas a serem tratados no Vol. 6: a linguagem arcana das
autodesignações (um termo melhor do que "títulos", ou "títulos
cristológicos" de Jesus); os trágicos dias finais com a crucificação,
morte e sepultamento (a ressurreição pertence ao Jesus real, mas não ao Jesus
histórico); salvo depois propor um epílogo de síntese, já anunciado no Vol. 1,
p. 22: "Um epílogo tentará, depois, algumas primeiras reflexões, tanto
históricas quanto teológicas, sobre tudo o que veremos. Como deixarei claro
naquele momento, esta obra inteira é, em certo sentido, uma introdução e um
convite aos teólogos, para que obtenham desta pesquisa particular o que pode
ser útil para a tarefa mais ampla da cristologia contemporânea – o que,
evidentemente, este livro não aborda" (esse epílogo conclusivo, talvez,
poderia ser o Vol. 7, final da obra).
O caminho ficou mais
curto, mas ainda continua sendo "longo e empoeirado", como muitas
vezes o autor da grande obra o define.
David Rubens
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