Discutir a comunicação, a
cultura e a sociedade, aliadas às novas tecnologias, foi um dos motes favoritos
do escritor e intelectual italiano Umberto Eco, morto aos 84 anos nesta
sexta-feira (19/02/2016), em Milão (Itália). Ele sofria de câncer e
faleceu às 22h30 (horário local), em sua casa, segundo a família confirmou ao
jornal La Repubblica.
Tido em seu país natal
como ”o homem que sabia de tudo”, dado o seu grande conhecimento, Eco
apresentou muitas lições acessíveis por meio de frases marcantes.
Quem
foi Umberto Eco
Pilar internacional de
toda uma disciplina, a Semiologia, que marcou os estudos de Comunicação no
mundo, Eco também deixa um imenso e singular legado sobre estudos de estética.
Eco foi antes de mais nada um intelectual brilhante e reconhecido por sua obra
sobre a estética medieval e sobre a filosofia da arte. Nascido em Alexandria,
nas imediações de Turin, em 1932, diplomou-se em Filosofia em 1954 na
Universidade de Turin. Sua formação diz muito: discípulo do grande filósofo
antifascista Luigi Pareyson, defendeu uma tese de fim de estudos sobre Thomas
de Aquino, que seria publicado dois anos mais tarde sobre o nome O Problema Estético em Tomas de Aquino.
Em pouco tempo, seu
brilhantismo o tornaria reconhecido em todo o mundo. Depois de publicar O Desenvolvimento da Estética Medieval,
em 1959, Eco mudou os rumos da crítica da arte no Século 20 com dois textos
fundamentais: Obra Aberta, de
1962, e Apocalípticos e Integrados,
de 1964.
Esses livros, somados a A Definição da Arte e a A Estrutura Ausente, são referências na
compreensão da história da estética, sobretudo no que diz respeito às
relações entre a filosofia da arte, a linguística e a comunicação de massa na
segunda metade do século passado. Para Eco, a estética não pode ser dissociada
em diferentes ramos - não há uma “estética da pintura”, ou uma “estética do
cinema”.
Em Obra Aberta, o autor ajudou a romper com
a ideia de que um objeto artístico é algo acabado, com uma interpretação única
e fechada ditada pelo artista. Essa crítica, de “um novo modo de entender a
relação com a obra e sua fruição por parte do público”, seria compartilhada
então por nomes como o poeta concretista Haroldo de Campos.
Ao longo dos anos 1960,
Eco se transformaria em uma referência mundial na Teoria da Comunicação ao se
integrar à chamada Escola Sociológica Europeia, da qual faziam parte nomes
como Edgar Morin, Jean Baudrillard ou Roland Barthes. Esse grupo
foi marcado por uma visão menos negativa sobre os meios de comunicação de
massa, dissociando-se das críticas funcionalistas e da Escola de Frankfurt.
Tido como uma autoridade
nos meios acadêmicos, Eco se transformaria, ele próprio, em um exemplo de
fenômeno na cultura de massa com a publicação de um best seller mundial. Em O Nome da Rosa, de 1980, fez convergir
em uma história de ficção várias de suas áreas de interesse: a história, a
filosofia, a estética medieval e a semiótica. Sucesso extraordinário de público
e crítica, com mais de 17 milhões de livros vendidos, o thriller policial
medieval venceu, entre outros, o Prêmio Médicis de Melhor Romance estrangeiro
em 1982. Em 1986, seu livro foi adaptado para o cinema por Jean-Jacques Annaud,
comSean Connery e Christian Slater.
O toque de ironia: sua
carreira tardia de escritor de sucesso só teve início graças à encomenda feita
por uma editora que desejava lançar livros policiais curtos e contemporâneos
escritos por “não-romancistas”. Ao entregar o livro, Eco apresentou um romance
de suspense de mais de 500 páginas ambientado na Idade Média.
A carreira de ficcionista
continuou em 1988 com O Pêndulo de
Foucault e a seguir em 1994, com A Ilha do Dia Anterior, romances cuja publicação foi esperada em
todo o mundo. Em 2015, em seu último romance, Número Zero, que se passa em 1992, Eco revê a história de seu país
a partir do fim da 2ª Guerra Mundial, destilando sua fina ironia sobre temas
como a máfia, a corrupção e, claro, o jornalismo contemporâneo, alvo de crítica
mordaz.
Cínico, seu personagem
afirma no curso de uma reunião de redação: “Seria conveniente, para o prazer de
nosso editor, que nós encontrássemos um meio de lançar sombras de suspeitas
sobre esse juiz intrometido. Saiba que hoje, para responder a uma acusação, não
é necessário provar o contrário, basta deslegitimar o acusador”.
Mesmo crítico, Eco jamais
abandonou sua paixão pela informação, pelo jornalismo e pela comunicação -
ele havia começado, em 1955, como assistente em programas culturais da rede de
televisão RAI. Ao longo de sua vida, foi articulista assíduo e leitor
inveterado da imprensa italiana e internacional. Eco se dizia fiel à ideia de
Hegel de que jornais são “a reza cotidiana do homem moderno”.
Até por admirá-la, o
autor lamentava a recente pulverização da informação nas novas tecnologias e,
sobretudo, a superficialidade de alguns veículos de mídia. “A imprensa exigente
deve aprofundar a atualidade, abrir espaço às ideias”, pregou em entrevista ao
jornal Le Monde em maio passado, mostrando absoluta clareza de raciocínio.
Fonte: Estadão
David Rubens
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