Reza Aslan afirma que o filho de Maria foi o maior revolucionário de todos os tempos.
O historiador
iraniano-americano Reza Aslan ficou mundialmente famoso após bater boca com
Lauren Green, âncora da emissora americana Fox News, em julho do ano passado.
Ele fora convidado a falar sobre seu livro Zelota – A vida e a época
de Jesus de Nazaré (308 páginas, Zahar editora, R$ 36), um polêmico
ensaio em que afirma que Jesus foi um revolucionário. Aslan teve de explicar
por que um muçulmano como ele escrevera sobre Cristo. Há mais de 20 anos, ele
se dedica à pesquisa de religiões, com foco na vida de Jesus.
ÉPOCA – O senhor defende em seu livro uma tese
polêmica: o Jesus histórico foi um revolucionário. O senhor acredita que Jesus
estava mais para Che Guevara que para Ghandi?
Reza Aslan – Jesus
foi o maior revolucionário de todos os tempos. As pessoas têm dificuldade de
compreender isso porque veem o Cristo da religião com o olhar do nosso tempo.
No tempo de Jesus, não havia separação entre política e religião. Ambas eram a
mesma coisa. É incorreto dizer que Jesus era só um líder espiritual ou só um
líder político. Ele era os dois. Toda e qualquer palavra proferida por Jesus
tinha implicações políticas, por mais espirituais que fossem. Nesse livro,
tento tirar as camadas de teologia, misologia, lenda e doutrina que se
sobrepuseram ao Jesus histórico. Quis compreender o mundo em que Jesus viveu.
Meu livro é sobre as implicações das palavras de Jesus em seu mundo, em seu
tempo. É também sobre as diferenças entre Jesus de Nazaré e o Cristo da fé,
criado pelos Evangelhos e pela Igreja.
ÉPOCA
– Qual a diferença entre o Cristo histórico e o da fé?
Aslan
– O Jesus da história era um judeu pregando o judaísmo para outros judeus.
O Cristo da fé, aquele que lemos nos Evangelhos e na teologia cristã, é alguém
divorciado do judaísmo, alguém pregando uma nova fé, uma nova religião. Jesus
proclamava-se o messias, mas, quando dizia isso, se referia ao messias do
judaísmo. Se Jesus de fato pensasse ser o Deus encarnado, teria sido o primeiro
judeu da história a pensar assim. Porque o conceito de um homem divino viola 5
mil anos de história, tradição e religião judaicas. Isso quer dizer que é
impossível que Jesus se considerasse um Deus encarnado? Não. Só não é
plausível. Sobram duas opções: Jesus nunca disse isso e era como todas as
outras centenas de messias de seu tempo. Ou então Jesus acreditava nisso e era
absolutamente único, diferente de todos os judeus que vieram antes ou depois
dele. Como historiador, acredito que Jesus era como todos os outros messias de
seu tempo e nunca disse ser o Deus encarnado do Novo Testamento.
ÉPOCA
– E por que Jesus inspirou tantos a segui-lo?
Aslan
– Isso tem menos a ver com espiritualidade e mais com os ensinamentos de
Jesus. São ensinamentos únicos e extraordinários. Jesus teve uma visão de uma
nova ordem mundial, em que ricos e pobres trocariam de lugar. Os primeiros se
tornariam os últimos, e os últimos se tornariam os primeiros. O apelo dessa
mensagem depois da morte de Jesus se perpetuou menos pelo que Jesus disse ou
fez e mais pelo que seus discípulos escreveram e disseram sobre ele.
ÉPOCA
– Então a mensagem de Cristo foi reinventada?
Aslan
– Os seguidores de Jesus, os homens que escreveram os Evangelhos anos ou
décadas depois de sua morte, tentaram esconder ou amenizar o aspecto político
da vida de Jesus. Primeiro, porque Jesus falhou em sua missão. O que sabemos de
fato sobre Jesus? Que ele era judeu, que começou um movimento judaico no século
I e, como resultado desse movimento, foi condenado à morte na cruz por crimes
contra o Estado (Roma). As ambições políticas de Jesus falharam. A
definição de messias, no tempo de Jesus, era um descendente do rei Davi, que
restabeleceria o Reino de Davi na Terra. Se você diz ser um messias e morre sem
restabelecer o Reino de Davi, você não é um messias. Todos os outros messias, e
foram centenas, prometeram restabelecer o reino de Davi. Foram tão
bem-sucedidos quanto Jesus. Nenhum cumpriu a promessa, e todos foram chamados
de falsos messias. A diferença é que os seguidores de Jesus tentaram dar
sentido a sua falha, mudaram o significado de messias, o deixaram menos judeu,
mais espiritual. Quando fizeram isso, o tornaram mais atraente para os não
judeus.
ÉPOCA
– De que forma?
Aslan
– Jesus foi condenado à crucificação por crimes contra o Estado. Roma
reservava a crucificação a crimes contra o Estado. Como convencer Roma a
aceitar um movimento de um homem que pretendia tirar Roma do poder? Basta dizer
que o reino prometido por Jesus não era o terreno, mas sim o divino, que Jesus
não tinha ambições políticas, não ameaçava o Império Romano. Assim, você diz
que é possível ser cristão sem ser uma ameaça ao Estado. Todas essas mensagens
foram incorporadas ao cristianismo e ajudaram em sua expansão. Décadas depois
da morte de Jesus, os seguidores não judeus de Cristo superaram os seguidores
judeus. Cem anos depois, não havia quase ligação alguma entre cristianismo e
judaísmo. E, pelos últimos 2 mil anos, o cristianismo tem sido uma religião que
confortavelmente se casa com o Estado. Como faz isso? Proclamando que não tem
interesse em governar este mundo, não se apega às coisas terrenas. “Os Evangelhos não são história, não são fato.
São argumentos teológicos”.
ÉPOCA
– As críticas mais contundentes a seu livro dizem que o senhor usou as fontes
de pesquisa que melhor se adaptavam a suas teses e descartou as demais. Qual
foi seu critério?
Aslan
– Essa é uma crítica feita por não especialistas. Os leigos olham para os
Evangelhos e acham que tudo o que está escrito em Mateus, Marcos, Lucas e João
é igualmente válido. Isso é absurdo. Há 200 anos definiu-se uma metodologia de
estudo para saber o que é confiável do ponto de vista histórico nos Evangelhos.
Para o leigo, parece que escolho apenas o que me interessa. Mas fui metódico.
Não usei os Evangelhos de João como fonte de pesquisa, porque ele são tardios,
escritos quase um século depois da morte de Jesus. Usei apenas o Evangelho de
Marcos, visto universalmente como o mais preciso historicamente. Os Evangelhos
não são história, não são fato. São argumentos teológicos. Minhas fontes foram
os documentos históricos sobre o tempo em que Jesus viveu e partes comprováveis
dos Evangelhos. Rejeito as histórias da natividade, a fuga da família de Jesus
para o Egito e outros acontecimentos imprecisos. Tais histórias são lendas e
mitos.
fonte: epoca.globo
Outra Postagem: biblicoteologico - 2013/11/
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