Kierkegaard (1813-1855)
foi educado por seu pai ancião numa severa religiosidade. Depois de uma
infância triste e isolada, inscreveu-se na faculdade de teologia de Copenhague,
onde primava a inspiração hegeliana. Dominado sempre por uma “autocompaixão”,
nunca pode arrancar de seu corpo a melancolia e a angústia que lhe invadiram
toda a vida. Graduou-se em teologia em 1840, mas não se decidira estudar e
escrever até praticamente seus últimos anos. Seu Diário no-lo apresenta
sumamente angustiado. Ele próprio viveu totalmente a figura que tão bem
descreve nas páginas finais do Conceito da angústia: “O que eu sou é um
nada; isto dá a mim e a meu caráter a satisfação de conservar minha existência
no ponto zero, entre o frio e o calor, entre a sabedoria e a necessidade
ou entre o algo e a nada, como um simples talvez”. O ponto zero é a
indecisão permanente, o equilíbrio instável entre as alternativas opostas que
se abrem diante de qualquer possibilidade.
O ponto de partida da filosofia de Kierkegaard deriva
da crítica de Hegel. Este, segundo Kierkegaard, ignorou os traços passionais da
subjetividade humana. A verdade não é o “puro pensamento”, como acreditava o
filósofo alemão; a falácia. Para Kierkegaard, a verdade fica vinculada e
limitada ao sujeito existente, concreto e particular, não a seu objeto. Isto
torna impossível, em última instância, que a verdade possa comunicar-se com
outros indivíduos. A existência é, pois, opção e paradoxo. Esta concepção da
verdade e da existência de cada sujeito permitiu ver nele o pai do
existencialismo tanto cristão quanto secular.
Kierkegaard levou essas conclusões ao campo
religioso, e mais concretamente ao cristianismo. Se a filosofia não é uma
especulação, mas um modo de ser do indivíduo, também não se deve falar de uma teologia
sistemática: conjunto ou sistema objetivo de verdades doutrinais. Ser cristão é
viver a fé desde a própria existência paradoxal no Deus homem, não num conjunto
de verdades.
Kierkegaard acentua o abismo entre o tempo e a eternidade,
entre o finito e o infinito, entre o homem e Deus. “Deus é o absolutamente
desconhecido.” Existe também um abismo entre o pecado do homem e a santidade de
Deus. “Sem pecado, não há cristianismo... Tirar a consciência pecadora seria
como fechar as igrejas e transformá-las em salões de baile. Isto é o que torna
paradoxal a fé do cristão: que Deus é absolutamente real e absolutamente
incompreensível. Por isso mesmo, não se pode falar de Deus nem muito menos formular
uma teologia.”
Somente Deus pode salvar o homem do abismo entre
ambos. E isto Deus o fez na pessoa de Cristo. Deus revelou-se a si mesmo em
Jesus Cristo, mas é uma revelação sob véus. Deus se manifestou em Jesus
Cristo, mas isto não é patente para o observador casual. Somente aos olhos da
fé, Deus é visto em Jesus Cristo. Somente os que têm fé o reconhecem e o
encontram. A fé não é racional. É a aceitação do absurdo, do paradoxal.
Kierkegaard aceita a expressão de Tertuliano: “Credo
quia absurdum”. A fé é uma decisão pessoal, um ato de afirmação, um salto na
escuridão. Pressupõe risco e compromisso pessoal e, através deste, chegamos a
conhecer Deus.
Como era natural, Kierkegaard não oferece um sistema
completo de doutrina. Ele próprio descreveu sua obra como “um pouco de pimenta”,
como um revulsivo ou corretivo. Suas obras devem ser encaradas como uma “espécie
provocativa e profética”, mais que como uma dieta regular e completa. Se
levadas muito a sério, podem causar grandes desarranjos gástricos. Mencionamos as
mais importantes: O conceito de ironia (1841); Diário de um sedutor (1843);
Migalhas filosóficas (1844); O conceito de angústia (1844); A
enfermidade mortal (1846-47); Discursos religiosos etc. Toda a sua
obra e a sua vida foram dedicadas a por em destaque o “escândalo” e o “paradoxo”
da fé cristã, o caráter mundano da Igreja dinamarquesa, alvo de seus ataques, e
a corrupção do cristianismo por parte da filosofia de Hegel. O seu é a “existência
cristã” ou o religioso paradoxal. Seu individualismo exerceu uma influência
decisiva na teologia dialética e no existencialismo. Unamuno foi um dos seus
admiradores e seguidores mais fervorosos.
Estilo
de Normalizar Citação De Acordo com as Normas da ABNT para Trabalhos Acadêmicos.
RUBENS, David. Søren Aabye Kierkegaard: Deus
absolutamente real e absolutamente incompreensível. http://biblicoteologico.blogspot.com.br/2014/09/sren-aabye-kierkegaard-deus.html:
Acesso em: _____________.
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