Introdução
A
influência de Ernst Käsemann, em especial seu ensaio “The Saving Significance of the Death of Jesus in Paul”, domina os
estudos modernos da centralidade da cruz no pensamento paulino. Käsemann
defende com veemência a necessidade de reapropriar-se dos grandes
discernimentos da Reforma a respeito da teologia paulina; mais exatamente, os
de Lutero. Firmemente posicionado na tradição luterana de interpretação
paulina, Käsemann declara que qualquer outra abordagem da teologia paulina
abrange, na melhor das hipóteses, apenas alguns de seus muitos aspectos; é a
abordagem de Lutero que compreende a teologia paulina em sua totalidade. Assim,
quais são os aspectos básicos da teologia paulina da cruz, segundo Käsemann?
Em sua
análise dos textos paulinos, Käsemann traça uma distinção exata entre textos
que Paulo herda e que refletem a tradição litúrgica e doxológica de uma tradição
pré-paulina e textos de que é possível afirmar serem originários diretamente de
Paulo. Estes últimos, afirma Käsemann, são mais autenticamente paulinos. Para
começar vamos examinar os que são considerados originários de uma tradição mais
primitiva.
Importância salvífica da morte de
Cristo
Segundo Käsemann,
as passagens que afirmam a importância salvífica da morte de Cristo derivam, em
grande parte, dessa tradição mais primitiva. Entretanto, ele percebe a
existência de um processo de reinterpretação, pelo qual Paulo introduz nesse
material tradicional novos elementos radicais. Em parte, essa reinterpretação
consiste em redirecionar a atenção do “ainda não” da ressurreição para o “aqui
e agora” da crucifixão – elemento muito importante de sua controvérsia com os
entusiastas coríntios. Além disso, elementos judeu-cristãos (em Rm 3,24-26) são
adotados, mas passam por uma revisão para adquirir um sentido mais rico. Porém
essa reinterpretação deve ser considerada principalmente na ênfase que Paulo dá
à justificação dos
ímpios. A cruz demonstra
a completa seriedade do pecado, declara a impotência da humanidade caída para
alcançar a salvação e expõe erros humanos de hipocrisia.
Textos de tradição pré-paulina
As cartas
paulinas incluem alguns casos de tradição pré-paulina que Paulo interpretou ou revisou.
Dois desses casos têm importância especial. Romanos 3,24-26 ilustra a
observação geral de que falta à tradição pré-paulina a ênfase radical na cruz
aparentemente tão característica de Paulo. E, o que é mais significativo, Paulo
parece acrescentar a Filipenses 2,6-11 uma ênfase na cruz geralmente
considerada na tradição prépaulina. A frase “e morte numa cruz” desintegra a
escansão do texto, o que sugere ter sido acrescentada por Paulo. A modificação
significativa deste texto, que agora inclui uma referência explícita e
importante à cruz, esclarece a preocupação de Paulo em concentrar sua teologia
no Cristo crucificado.
E aquelas
passagens que devem ser consideradas originárias diretas de Paulo, sua criação pessoal,
não herança da tradição pré-paulina? Nelas se encontra, em plenitude e nitidez,
a mensagem do escândalo da cruz com todas as suas implicações teológicas.
Talvez a mais significativa dessas passagens seja 1 Coríntios 1,1831. Aqui
encontramos a ênfase caracteristicamente paulina no fato de Deus querer
justificar os ímpios pela crucifixão escandalosa de Jesus como criminoso
amaldiçoado publicamente por Deus. Käsemann chama a atenção em especial para
dois aspectos distintos desta teologia: seu caráter polêmico e sua predisposição para a rejeição
pelo mundo.
A teologia
paulina da cruz é polêmica
não por ser dirigida contra falsos
entendimentos da natureza de Deus fora da Igreja, mas porque se opõe a interpretações
errôneas do evangelho dentro da própria Igreja – tais como a devoção legalista
de círculos cristãos judaizantes ou as perspectivas falsas a respeito da
ressurreição comuns em Corinto.
A teologia
paulina da cruz “era sempre um ataque crítico à interpretação tradicional
dominante da mensagem cristã, e não foi por acaso que caracterizou os inícios
protestantes”.
E essa teologia
se volta para a rejeição
pelo mundo. Käsemann ressalta que o
ministério pessoal de Paulo pode ser considerado uma apresentação
autobiográfica do impacto da cruz porque evoca angústia, sofrimento, rejeição e
perseguição. Onde quer que a Igreja leve a sério a cruz de Cristo, ela espera
encontrar hostilidade.
Quase no
fim de seu ensaio, Käsemann apresenta uma importante discussão da relação entre
a teologia da cruz e a pregação, aparentemente dirigida contra os que enfatizam
a historicidade e a objetividade da crucifixão. Não podemos deixar que a fé se
tome dependente de meras lembranças históricas de um acontecimento passado. A
morte de Cristo é significativa não apenas como acontecimento histórico, mas
pela proclamação da Palavra (Rm 10,14) e a subsequente evocação da fé.
Conclusão
A
abordagem de Käsemann à teologia paulina da cruz é brilhante e original, e ele
continua a ser um parceiro muito importante em qualquer discussão da teologia
paulina da cruz. Notamos alguns pontos óbvios de critica do ensaio que se concentram
em sua distinção entre os componentes pré-paulinos e paulinos do corpus.
-
Primeiro, por que devemos presumir
que o material pré-paulino é, de alguma forma, menos importante que as
passagens paulinas? O próprio fato de Paulo recorrer a uma tradição mais
primitiva pode muito bem indicar que ele pretendia que ela fosse tratada com
grande seriedade e que essas passagens se destinavam a ser investidas de peso
interpretativo especial. Exemplo óbvio é 1 Coríntios 11,23-25, onde Paulo
deseja claramente que sua citação de uma tradição mais primitiva possua
autoridade suficiente para confirmar seu argumento (ver também ICor 15,1-4).
- Segundo,
como Käsemann pode ter tanta certeza de que Paulo modificou radicalmente o
material mais primitivo? Do ponto de vista metodológico, essa pergunta se
relaciona com a pergunta de como é possível traçar uma distinção entre material
tradicional e redacional, o que não é necessariamente tão simples como Käsemann
quer que acreditemos. Até onde percebemos, Paulo nem sempre modifica o material
mais primitivo; sempre deve haver um grau de dúvida quanto à natureza, à
extensão e à importância da reelaboração paulina da tradição mais primitiva. Contudo,
podemos dizer que o ensaio de Käsemann, completado por uma série notável de
escritos posteriores, estimulou um novo interesse pela teologia paulina da
cruz, em especial nos estudos de língua alemã e, cada vez mais, nos escritos
norte-americanos.
Referência
KÄSEMANN, Ernst. Perspectivas paulinas. São Paulo:
Teológica; Paulus, 2003.
KÄSEMANN, Ernst. Os inícios da teologia cristã:
Apocalipsismo. São Leopoldo/RS: Sinodal, 1983.
RUBENS, David. Estudos Teológicos. Vl. 2. Pindamonhangaba/SP: Kerygma, 2014.
Estilo
de Normalizar Citação De Acordo com as Normas da ABNT para Trabalhos Acadêmicos.
RUBENS, David. Ernst Käsemann: analise de textos paulinos a respeito da teologia da cruz. http://biblicoteologico.blogspot.com.br/2014/09/ernst-kasemann-analise-de-textos.html. Acesso em: _____________.
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