segunda-feira, 29 de setembro de 2014

162 - Ernst Käsemann: analise de textos paulinos a respeito da teologia da cruz



Introdução
A influência de Ernst Käsemann, em especial seu ensaio “The Saving Significance of the Death of Jesus in Paul”, domina os estudos modernos da centralidade da cruz no pensamento paulino. Käsemann defende com veemência a necessidade de reapropriar-se dos grandes discernimentos da Reforma a respeito da teologia paulina; mais exatamente, os de Lutero. Firmemente posicionado na tradição luterana de interpretação paulina, Käsemann declara que qualquer outra abordagem da teologia paulina abrange, na melhor das hipóteses, apenas alguns de seus muitos aspectos; é a abordagem de Lutero que compreende a teologia paulina em sua totalidade. Assim, quais são os aspectos básicos da teologia paulina da cruz, segundo Käsemann?
Em sua análise dos textos paulinos, Käsemann traça uma distinção exata entre textos que Paulo herda e que refletem a tradição litúrgica e doxológica de uma tradição pré-paulina e textos de que é possível afirmar serem originários diretamente de Paulo. Estes últimos, afirma Käsemann, são mais autenticamente paulinos. Para começar vamos examinar os que são considerados originários de uma tradição mais primitiva.

Importância salvífica da morte de Cristo
Segundo Käsemann, as passagens que afirmam a importância salvífica da morte de Cristo derivam, em grande parte, dessa tradição mais primitiva. Entretanto, ele percebe a existência de um processo de reinterpretação, pelo qual Paulo introduz nesse material tradicional novos elementos radicais. Em parte, essa reinterpretação consiste em redirecionar a atenção do “ainda não” da ressurreição para o “aqui e agora” da crucifixão – elemento muito importante de sua controvérsia com os entusiastas coríntios. Além disso, elementos judeu-cristãos (em Rm 3,24-26) são adotados, mas passam por uma revisão para adquirir um sentido mais rico. Porém essa reinterpretação deve ser considerada principalmente na ênfase que Paulo dá à justificação dos ímpios. A cruz demonstra a completa seriedade do pecado, declara a impotência da humanidade caída para alcançar a salvação e expõe erros humanos de hipocrisia.

Textos de tradição pré-paulina
As cartas paulinas incluem alguns casos de tradição pré-paulina que Paulo interpretou ou revisou. Dois desses casos têm importância especial. Romanos 3,24-26 ilustra a observação geral de que falta à tradição pré-paulina a ênfase radical na cruz aparentemente tão característica de Paulo. E, o que é mais significativo, Paulo parece acrescentar a Filipenses 2,6-11 uma ênfase na cruz geralmente considerada na tradição prépaulina. A frase “e morte numa cruz” desintegra a escansão do texto, o que sugere ter sido acrescentada por Paulo. A modificação significativa deste texto, que agora inclui uma referência explícita e importante à cruz, esclarece a preocupação de Paulo em concentrar sua teologia no Cristo crucificado.
E aquelas passagens que devem ser consideradas originárias diretas de Paulo, sua criação pessoal, não herança da tradição pré-paulina? Nelas se encontra, em plenitude e nitidez, a mensagem do escândalo da cruz com todas as suas implicações teológicas. Talvez a mais significativa dessas passagens seja 1 Coríntios 1,1831. Aqui encontramos a ênfase caracteristicamente paulina no fato de Deus querer justificar os ímpios pela crucifixão escandalosa de Jesus como criminoso amaldiçoado publicamente por Deus. Käsemann chama a atenção em especial para dois aspectos distintos desta teologia: seu caráter polêmico e sua predisposição para a rejeição pelo mundo.
A teologia paulina da cruz é polêmica não por ser dirigida contra falsos entendimentos da natureza de Deus fora da Igreja, mas porque se opõe a interpretações errôneas do evangelho dentro da própria Igreja – tais como a devoção legalista de círculos cristãos judaizantes ou as perspectivas falsas a respeito da ressurreição comuns em Corinto.
A teologia paulina da cruz “era sempre um ataque crítico à interpretação tradicional dominante da mensagem cristã, e não foi por acaso que caracterizou os inícios protestantes”.
E essa teologia se volta para a rejeição pelo mundo. Käsemann ressalta que o ministério pessoal de Paulo pode ser considerado uma apresentação autobiográfica do impacto da cruz porque evoca angústia, sofrimento, rejeição e perseguição. Onde quer que a Igreja leve a sério a cruz de Cristo, ela espera encontrar hostilidade.
Quase no fim de seu ensaio, Käsemann apresenta uma importante discussão da relação entre a teologia da cruz e a pregação, aparentemente dirigida contra os que enfatizam a historicidade e a objetividade da crucifixão. Não podemos deixar que a fé se tome dependente de meras lembranças históricas de um acontecimento passado. A morte de Cristo é significativa não apenas como acontecimento histórico, mas pela proclamação da Palavra (Rm 10,14) e a subsequente evocação da fé.

Conclusão
A abordagem de Käsemann à teologia paulina da cruz é brilhante e original, e ele continua a ser um parceiro muito importante em qualquer discussão da teologia paulina da cruz. Notamos alguns pontos óbvios de critica do ensaio que se concentram em sua distinção entre os componentes pré-paulinos e paulinos do corpus.
- Primeiro, por que devemos presumir que o material pré-paulino é, de alguma forma, menos importante que as passagens paulinas? O próprio fato de Paulo recorrer a uma tradição mais primitiva pode muito bem indicar que ele pretendia que ela fosse tratada com grande seriedade e que essas passagens se destinavam a ser investidas de peso interpretativo especial. Exemplo óbvio é 1 Coríntios 11,23-25, onde Paulo deseja claramente que sua citação de uma tradição mais primitiva possua autoridade suficiente para confirmar seu argumento (ver também ICor 15,1-4).
- Segundo, como Käsemann pode ter tanta certeza de que Paulo modificou radicalmente o material mais primitivo? Do ponto de vista metodológico, essa pergunta se relaciona com a pergunta de como é possível traçar uma distinção entre material tradicional e redacional, o que não é necessariamente tão simples como Käsemann quer que acreditemos. Até onde percebemos, Paulo nem sempre modifica o material mais primitivo; sempre deve haver um grau de dúvida quanto à natureza, à extensão e à importância da reelaboração paulina da tradição mais primitiva. Contudo, podemos dizer que o ensaio de Käsemann, completado por uma série notável de escritos posteriores, estimulou um novo interesse pela teologia paulina da cruz, em especial nos estudos de língua alemã e, cada vez mais, nos escritos norte-americanos.

Referência
KÄSEMANN, Ernst. Perspectivas paulinas. São Paulo: Teológica; Paulus, 2003.
KÄSEMANN, Ernst. Os inícios da teologia cristã: Apocalipsismo. São Leopoldo/RS: Sinodal, 1983.
RUBENS, David. Estudos Teológicos. Vl. 2. Pindamonhangaba/SP: Kerygma, 2014. 

Estilo de Normalizar Citação De Acordo com as Normas da ABNT para Trabalhos Acadêmicos.
RUBENS, David. Ernst Käsemann: analise de textos paulinos a respeito da teologia da cruz. http://biblicoteologico.blogspot.com.br/2014/09/ernst-kasemann-analise-de-textos.html. Acesso em: _____________.


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Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.