quinta-feira, 22 de outubro de 2015

279 - OHDtr, Obra Histórica Deuteronomista e o Surgimento da Monarquia em Israel, David Rubens




Introdução
Os livros históricos têm por tema principal as relações de Israel com Yhaveh, sua fidelidade ou infidelidade, os portadores da Palavra de Deus são os profetas.
Os profetas intervêm com freqüência:
- Samuel
- Natã
- Elias
- Eliseu
- Isaías
- Jeremias
Estes livros, por seu conteúdo, constituem a sequência do Pentateuco; no fim do Deuteronômio, Josué é designado como o sucessor de Moisés, e o livro de Josué começa no dia seguinte ao da morte de Moisés. Alguns supõem que há uma unidade literária entre os dois conjuntos, formando-se um Hexateuco;[1] alguns incluem até os livros dos Reis. Mas esforços para se reencontrar documentos do Pentateuco em Juízes, Samuel e Reis não deram nenhum resultado satisfatório. Contudo, a influência do Deuteronômio e de sua doutrina é clara nos livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis. Surgiu então a hipótese de que o Deuteronômio seriá o começo de uma grande história religiosa que se prolonga até o fim de Reis.
Em 1943, na Alemanha, Martin Noth propôs pela primeira vez, que os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis foram uma coletânea de tradições, que deverá ser chamada de historiografia deuteronomista.[2] Nome que lhe é atribuído por sua grande semelhança com as leis e os discursos exortativos do Deuteronômio. Livro este, que por sua vez, em seus discursos iniciais, cumpre a função de introdução à coletânea. Para Noth, a OHDtr teria sido redigida por um só autor, possivelmente na Palestina do século VI a.C. com o objetivo de explicar o fim do reino de Judá e o exílio babilônio então em curso como fruto da apostasia do povo.[3]  
A relação deuteronomista se exerceu sobre tradições orais ou documentos escritos, que diferem pela idade e pelo caráter e que, já estavam agrupados em coleções; e a redação retocou de modo desigual os materiais que usava. Isso explica porque os livros, ou grandes seções deles, conservam sua individualidade. Esta relação deutenonomista não foi feita de uma só vez, cada livro passou por várias edições.
Estes livros são obra de uma escola de homens piedosos, imbuídos das idéias do Deuteronômio.

1  Conflito e pacto na terra de Canaã
De Vaux, fala de um processo de assentamento gradual, lento, de caráter pacífico e em muitos casos feito com alianças, justamente com momentos de conquistas, mas que, em nenhum caso, seria concluída com Josué.[4]

2 Das alianças tribais à monarquia
Durante o século XI a.C., a necessidade das alianças é incrementada pela necessidade de responder aos conflitos com outros povos em disputa pelo pequeno território, ou área de controle.
Dentre os inimigos externos o primeiro lugar é ocupado pelos filisteus, um dos “povos do mar”, que invadiam desde meados do século XII a costa do mediterrâneo oriental. Os filisteus possuíam uma superioridade militar em razão da qualidade de seu armamento.[5]
Na Transjordânia, encontramos três grupos em contínuo relacionamento com Israel: os amonitas, os moabitas e os edomitas.
No período dos juízes, o sistema de federação era democrático ocasional, quando a necessidade, representada pelo conflito exterior o exigese.

3  Rumo a monarquia e ao primeiro estado de Israel
Questões que contribuíram para o surgimento da monarquia:
· Pressão externa crescente.
· Conquista e ocupação.
· Assentamentos urbanos.
· Evolução e notável unificação de tradições literárias comuns.
· Desenvolvimento legal e cultual do Javismo.
· Crescimento de santuários locais.
· Necessidades econômicas de uma sociedade em acelerado processo evolutivo.

4  Surgimento da monarquia
Tendência antimonárquica (1Sm 8.10,17-27; 13,7-15; 28). A monarquia foi rejeitada por alguns grupos sociais, com base em experiências negativas das gerações posteriores, as quais viveram o fracasso e o próprio exílio.
As criticas proviam dos que se sentiam afetados pela mudança, eram feitas também por um grupo que sonhavam com uma sociedade representada pelos valores do Javismo: o profetismo de Israel. O profeta, símbolo da critica à realeza foi Samuel.[6]

5  As primeiras tentativas em direção à monarquia
-                       Abímeleque em Siquém: Jz 9. Três anos durou a tentativa de Abímeleque constituir uma monarquia a partir de Siquém. Não expandiu territorialmente, o território de Abímeleque não passou de uma cidade estado. O próprio Abímeleque destruiu Siquém que contra ele se rebelara.[7]
-                       Jefté em Gileade:[8] Jz 10-12. Jefté atuou como um libertador carismático (Jz 11.290. Jefté, com o título de “cabeça” e de “chefe”, permite perceber como a monarquia vai brotando de dentro das necessidades clânico-tribais. Os anciões detêm a representação. Mas o tribalismo apresenta aspectos de desintegração social. No entanto, Jefté conseguiu apenas 6 anos de “juiz menor” (Jz 12.7).

6  Saul em Gibeá
Antes de tornar “rei”, Saul é “libertador”.[9] Situa-se, nas proximidades de Jefté ou de Gideão-Abimeleque.

O cenário do reino de Saul – está limitado ao território de Efraim e Benjamim, onde se situam todas as localidades que nas histórias de Saul são dotadas de papéis institucionais ou, de qualquer modo, significativos. Os locais cerimôniais estão no território de Efraim, de onde vem o profeta Samuel: Shilo (onde está a arca de Yahweh Seba’ot), Bet-El (o maior santuário da região), Gilgal (onde Saul é proclamado  rei). Os locais políticos estão em Benjamim, de onde vem o rei Saul: Mispa (onde se reúne a assembléia popular), Gibe’a (onde reside Saul), Rama (onde habita o profeta Samuel), Mikmas (lugar de batalha).[10] 

A base do poder de Saul são os parentes e a vontade coletiva dos “homens livres”[11] aqueles que tinham acesso a terra. Mas estes camponeses, que eram bastante eficientes em guerras, não estavam dispostos a estar continuamente à disposição do rei Saul, saído rei de dentro do tribalismo, esta em choque frontal com essa sua própria origem.[12]
A pedra de tropeço para Saul veio a ser Samuel. Este vivia o tribalismo em todo o seu vigor, Samuel era profeta, sacerdote e líder carismático. Ungiu-o e, simultaneamente, o destituiu.
Saul, oriundo da aldeia de Gibeá, segmento social novo, baseado na economia do boi. Saul defende cidade de Jabes. Há interesses comuns entre criadores de gado e cidades um necessita do outro.
A base real da monarquia de Saul situa-se entre os criadores de gado de Gibeá e as potencialidades comerciais de uma cidade como Jabes, nas proximidades da rota comercial da transjordania.
Saul é rei em Gilgal, as tradições cúlticas de Gilgal remonta ao passado tribal.
Em Saul aparece a grandeza do estado territorial:

·                       De Gibeá, vai socorrer Jabes, em Gileade.
·                       Reúne seu exército a lesta da Planície de Jezreel.
·                       Torna-se rei longe de Jabes e de Gibeá, em pleno vale do Jordão, em Gilgal.
·                       Luta contra os amalequitas, no sul palestinense.
·                       Suncumbe lá no norte na luta contra os filisteus.

O Estado de Saul é territorial, substitui a prática das cidades-estados. Nem Abimeleque e nem Jefté haviam alcançado este nível político.
A monarquia, o estado, era realidade social nos vales. Daí o povo havia fugido para as montanhas. Mas, a monarquia por fim, também alcançou as montanhas, vencem o tribalismo. Isto se passou entre 1050 a.C. e 926 a.C.[13]
A monarquia se impõe, mas o tribalismo jamais deixou de existir. Os profetas continuam sendo a voz das tribos. Fonte de sua resistência contra reis e impérios.[14]
O Estado de Saul é bem episódico. Há textos que dão a entender que durou 20 anos, talvez só tenha sido 2! Não formou um exercito profissional (1Sm 31). Não organizou uma capital. Não exigiu tributo. Sua família e alguns amigos era sua corte.
O suporte do estado de Saul eram os “homens”, os camponeses livres e mais abastados, os donos de gado (1 Sm 11). Estes só queriam um rei quando os inimigos estavam próximos.[15]
Saul ficou sozinho com sua família e seu estado foi destruído pelos filisteus. Quem sepultou Saul foram os de Jabes (1Sm 2.4). De chefe carismático, Saul foi transformado em louco e ímpio. Saul sacrifica pessoalmente e não por meio do sacerdote Samuel (1Sm 13.7-15), não pune as infrações aos votos (1Sm 14.24-35), não se atém as normas do herem (1Sm 15.7-9), consulta uma necromante (1Sm 28). Esta difamção é posta em prática logo depois dos eventos, em beneficio de Davi. 

7  Davi no deserto
Davi foge de Saul para o deserto. Junta-se com 400 homens, habiru (1Sm 22.2). Torna-se seu líder e comandante. Este grupo torna-se defensores do gado dos ricos.[16]
-        A caminhada de Davi em direção ao trono:
·                       Toma Hebrom, o centro da grande Judá.
·                       Os de Judá o tornam seu rei na cidade ocupada por seu exercito.
·                       Israel o aclama seu rei para ver-se livre dos filisteus.
·                       De Hebrom conquista Jerusalém[17].
·                       Derrota os filisteus e põe sob seu controle a rota comercial.
-        A liderança de Davi em pontos estratégicos:
ü     Unção em Belém por Samuel: 1Sm 16.4
ü     Aclamado rei de Judá em Hebrom: 2Sm 2.4
ü     Ungido rei sobre Israel em Hebrom por todas as tribos: 2Sm 5.3

Quem fosse contra Davi era morto.[18] No final da vida de Davi existiram muitas lutas pela sucessão. Haviam grupos mais ligados ao campo, a Judá, contra outros mais ligados à cidade.[19]

8  O reino de Salomão
A figura de Salomão (que sucedeu a Davi no final de sangrentas lutas de corte)[20] está ligada a um cenário de expanção, que chegou a compreender todo o território tribal, do Negev à Alta Galiléia.
Salomão organiza o tributo interno, em forma de arrecadação de alimentos e de trabalho forçado. Quem mantinha a corte de Davi eram os povos vizinhos.[21]
O exercito de Salomão não fez guerra com os vizinhos. O inimigo desse exército era interno, eram os camponeses.
Salomão dividiu seu reino em províncias responsáveis pela comida na corte, no estado. A construção do templo esta em função da tributação. O templo é dedicado a Javé, Deus do camponês, de outra forma os camponeses não pagariam seus tributos.[22] 

9  Os dois reinos: Judá e Israel
Com a morte de Salomão termina o reino unido 926 a.C. Começa a história dos dois reinos:[23] Judá e Israel. Esse período termina para Israel em 722 a.C., quando Samaria é anexada ao sistema de províncias assírias. Para Judá, termina em 701 a.C., quando Jerusalém é cercada pelos assírios e quase conquistada.[24]
“A união surgirá por pressão externa dos filisteus, a divisão pertence ao âmbito da autonomia do povo da montanha”.[25] A divisão em dois reinos é obra do tribalismo do Norte, que não queria continuar submetendo-se a Jerusalém (1Rs 11.26-40). 
  No Sul continua dinastia de Davi até 587 a.C., até a destruição de Jerusalém pelos babilônios.
-                    O Sul/Judá era dinástico: tradicional.
-                    O norte/Israel era monárquico: Golpista. 



David Rubens de Souza
Pindamonhangaba-SP




[1] RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Aste, 2006.
[2] RÖMER, Thomas. A Chamada História Deuteronomista: Introdução Sociológica e Literária. Petropolis/RJ. Vozes, 2005. p. 21.  
[3] Gerhard von Rad concorda: “A obra surgiu na época do exílio babilônico. Por pouco que saibamos a respeito do lugar em que foi redigida e da origem do redator”. RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Aste, 2006. p. 327.
[4] BLANC. Luis Fernando Girón. Israel Uma terra em conflito. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 17.
[5] Ibidem, p. 19.
[6] Ibidem, p. 30
[7] SCHWANTES, Milton. As Monarquias no Antigo Israel: um roteiro de pesquisa histórica e arqueológica. Paulinas: São Paulo, 2006, p. 16.
[8] Gileade: região fértil,é abundantemente alcançada pelas chuvas. Produz excedentes. Suas heranças (Jz 11.2) podem ser significativas. Vizinhos monarquia: edomitas, moabítas, amonitas. No norte haviam os estados arameus.  
[9] Casa de Saul: 1Sm 10.26. Saul ajuda Jabes: 1Sm 11.5. Ungido rei em Gilgal: 1Sm 11.15.
[10] LIVERANI, Mario. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Paulus; Loyola, 2008, p. 124.
[11] O exército (1Sm 13.1-2) é composto por 2 mil homens de Efraim e mil de Benjamim. A corte tem caráter familiar (o primeiro Abner, o filho Jônatam) e função militar; o próprio rei é belo e alto, forte e hábil combatente, e é designado rei para guiar o povo na guerra. Não vestígio de um aparato fiscal ou administrativo. LIVERANI, p. 124.   
[12] SCHWANTES, Milton. As Monarquias no Antigo Israel: um roteiro de pesquisa histórica e arqueológica. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 21.
[13] Idem. Breve história de Israel. São Leopoldo/RS: Oikos. 2008, p. 18.
[14] Ibidem, p. 18.
[15] Ibidem, p. 23.
[16] Davi põe em prática uma típica política de “chefe de bando”, exigindo tributos em troca de proteção (1Sm 25.4-8). LIVERANI, p. 128.
[17] Siquém, Gibeá, Hebrom e Jerusalém situam-se todas numa mesma rota comercial, naquela que acompanha a divisa de águas, nas montanhas, na direção Sul-Norte: SCHWANTES, Milton. As Monarquias no Antigo Israel: um roteiro de pesquisa histórica e arqueológica. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 30.
[18] Seba da tribo de Benjamim, é morto por propor retorno ao tribalismo (2Sm 20.1).
[19] SCHWANTES, op. cit., p. 24.
[20] Salomão representa a cidade de Jerusalém, a elite, o comercio. Adonias, o campo, Judá.
[21] Um reino soldadesco (Davi) substituído por um reino administraivo (Salomão) com ênfase na corvéia (1Rs 5.27-28; 9.22) e na taxação (1Rs 5.2-8). LIVERANI. p. 135.
[22] SCHWANTES, Milton. As Monarquias no Antigo Israel: um roteiro de pesquisa histórica e arqueológica. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 25.
[23] Para Liverani os reinos de Judá e Israel jamais estiveram unidos, ambos muito pequenos, o reino de Israel estava separado das tribos galiléias pela permanência do corredor “cananeu” da baía de ‘Akko ao médio Jordão. LIVERANI. p.139.
[24] SCHWANTES, op. cit., p. 28
[25] SCHWANTES, op. cit., p. 29


Um comentário:


Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.