Rudolf Bultmann
partilhava da opinião de Schweitzer, segundo a qual Jesus fora um pregador
apocalíptico que proclamava a chegada iminente do reino de Deus. Em sua obra de
crítica da forma dos Evangelhos, Bultmann lança dúvida sobre a historicidade de
boa parte do material, alegando que os relatos dos Evangelhos haviam sido
fortemente influenciados pela fé da igreja durante o período de transmissão
oral e pelos interesses dos autores de cada Evangelho. No entender de Bultmann,
isso tornou impossível a reconstrução de um retrato convincente da
personalidade de Jesus ou da sequência dos acontecimentos de sua vida. Mas (ao
contrário da opinião popular) Bultmann ainda tinha confiança de que podia
chegar às principais idéias da mensagem de Jesus e entendia que essa
proclamação fora decididamente moldada por um enfoque escatológico. O reino de
Deus não significava o domínio de Deus na alma (Harnack), e sim o momento em
que Deus daria fim ao mundo corrompido. Dessa maneira, Jesus apresentava Deus
em termos radicais como Criador e Juiz, e seu vocabulário apocalíptico não podia
ser considerado mera “casca”. Assim, “quem quer que considere Paulo ofensivo e
perturbador tem de admitir que Jesus também o é”.
Em sua interpretação da
proclamação de Jesus, Bultmann rompeu decisivamente com a ênfase liberal na ética
e em Jesus como mestre de verdades atemporais e universais. Ao examinar o
sentido da mensagem escatológica de Jesus e a situação humana nela apresentada,
Bultmann viu Jesus fazendo uma convocação, um chamado à obediência radical.
Para ele, a crítica de Jesus aos fariseus representou um ataque contra toda
forma de legalismo que exigisse obediência apenas parcial ou externa. Em suas
imposições absolutas, Jesus exigia que o eu se dedicasse totalmente a vontade
de Deus, que o indivíduo abrisse mão da auto-satisfação que antes buscava. Além
do mais, Bultmann percebe aqui um ponto real de correspondência com a teologia
de Paulo. No centro da crítica de Paulo à Lei e na teologia paulina da cruz,
Bultmann enxergava um ataque penetrante contra o legalismo judaico e contra
qualquer tentativa de garantir a salvação com base em recursos puramente
humanos. “O verdadeiro pecado do homem é que ele toma sua vontade e sua vida
nas próprias mãos, conquista a própria segurança e assim tem sua autoconfiança,
sua ‘jactância’” (Bultmann, Jesus, p.228). Desse modo, com base em
contribuições interpretativas oriundas da filosofia existencialista, Bultmann detectou
uma congruência material entre Jesus e Paulo na percepção que tinham da condição
humana, embora a teologia de Paulo fosse, no aspecto teórico, mais clara que a
de Jesus.
Mesmo na cristologia,
Bultmann viu alguns elementos de semelhança, porque Jesus, embora não “exigisse
fé em sua pessoa, exigia fé em sua palavra. Ou seja, ele fez sua aparição,
consciente de que Deus o havia enviado na hora final do mundo”. Dessa forma, tornou-se
inevitável que o proclamador passasse a ser o proclamado. A única diferença,
embora significativa, é que o que Jesus proclamou como ato iminente de Deus,
Paulo pregou como obra de salvação realizada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário