Apresento aqui uma breve introdução pra quem
deseja iniciar a leitura sobre o Jesus Histórico, o assunto é bastante
interessante e muito envolvente, coloquei no final uma biografia com a
finalidade de orientar aqueles que estiverem dispostos a aprofundar mais no
assunto.
Alguns autores citados no texto:
Rudolf
Bultmann
Gerhard Ebeling
Joachim Jeremias
Ernst Käsemann
Günter Bornkamm
John Dominic Crossan
Marcus L. Borg
Burton L. Mack
Geza Vermes
E. P. Sanders
N. T. Wright
Jesus Histórico: breve relato das buscas
Rudolf Bultmann: Jesus, afastamento da história
Bultmann considerava que todo movimento de reconstrução histórica da
figura de Jesus era o mesmo que entrar em um beco sem saída. Para ele, a história
não era algo de importância fundamental para a cristologia; bastava tão somente
que Jesus existisse e que a proclamação cristã (que ele chamava de kerygma)
estivesse de alguma forma baseada na pessoa de Jesus. Assim, Bultmann reduziu
todo o caráter histórico da cristologia a uma única palavra “que”. Em outras
palavras, somente é necessário crer “que” Jesus Cristo é o fundamento da proclamação
do evangelho (ou do kerygma).
Para Bultmann, embora a cruz e a ressurreição sejam, de fato, fenômenos
históricos (pois ocorreram no âmbito da história humana), devem, contudo, ser
discernidos pela fé como atos divinos. No kerygma, a cruz e a ressurreição
estão interligadas como o ato do juízo de Deus e o ato da salvação de Deus. São
precisamente estes atos divinos que possuem um significado constante, e não o
fenômeno histórico que lhes serviu de suporte. Portanto, o kerygma não se preocupa
com questões históricas, mas sim em comunicar a necessidade de uma tomada de
decisão por parte daqueles que ouvem a proclamação do evangelho, transferindo,
assim, o momento escatológico de um passado distante para o aqui e o agora da
proclamação em si: Isto significa que Jesus Cristo nos encontra no kerygma e
não em outro lugar qualquer, da mesma forma que ele mesmo confrontou Paulo e o
levou a uma tomada de decisão. O kerygma não é a proclamação de verdades
universais ou de conceitos atemporais – quer sejam o conceito de Deus quer
sejam o conceito do redentor – mas sim a proclamação de um fato histórico.
Portanto, o kerygma não atua como um veículo de conceitos atemporais, nem como
um mediador de informações históricas: o que é de importância decisiva é o fato
de que o kerygma é o “que” de Cristo, é seu “aqui e agora”, um “aqui e agora”
que se torna presente nas pessoas a quem a proclamação do evangelho se dirige.
Portanto, de acordo com Bultmann, não se deve ficar atrás do kerygma,
utilizando-o como “fonte” com a finalidade de reconstituir um “Jesus histórico”
acompanhado de sua “consciência messiânica”, sua “vida interior” ou seu “heroísmo”.
Essa reconstituição seria apenas “Cristo segundo a carne”, algo que não existe
mais. Não é o Jesus histórico, mas sim Jesus Cristo, aquele que pregamos, que é
o Senhor.
Este afastamento radical da história alarmou a muitos. Como alguém
poderia ter certeza de que a cristologia estava devidamente alicerçada na
pessoa e na obra de Jesus Cristo? Como alguém poderia começar a checar a
cristologia, se a história de Jesus era totalmente irrelevante? Para um número
cada vez maior de estudiosos, pertencentes às áreas do Novo Testamento e dos
estudos dogmáticos, parecia que Bultmann tinha apenas desatado um nó górdio,
sem no entanto solucionar as graves questões históricas que estavam sendo
debatidas.
Para Bultmann, no entanto, tudo que fosse possível ou necessário saber
sobre o Jesus histórico era o fato de que (das Dass) ele existiu. Para o discípulo
de Bultmann e estudioso de Novo Testamento, Gerhard Ebeling, a pessoa do Jesus
histórico é a base fundamental da cristologia, e uma vez que se demonstrasse
que a cristologia nada mais era do que uma interpretação equivocada do
significado do Jesus histórico, isso seria o fim da cristologia. Podemos dizer
que com essa afirmação, Ebeling estava expressando as preocupações que
constituíram a base para uma “nova busca do Jesus histórico”.
Ebeling apontou uma falha fundamental na
cristologia de Bultmann: sua total falta de abertura à investigação histórica
(pois, talvez, o termo “verificação” possua uma carga semântica demasiadamente
forte neste contexto). Não seria possível conceber a hipótese de que a
cristologia estivesse fundamentada em um equívoco? Como podemos ter absoluta
certeza de que houve um processo de transição fidedigno da pregação de Jesus
para a pregação sobre Jesus? Vemos, portanto, que Ebeling elabora críticas
semelhantes às de Ernst Käsemann (outro discípulo de Bultmann), porém, com um enfoque
mais teológico do que puramente histórico.
A nova busca do Jesus histórico
O movimento da “nova busca do Jesus histórico” teve início com a palestra
proferida por Ernst Käsemann, em outubro de 1953, sobre a questão do Jesus
histórico. A total importância dessa palestra revela-se somente quando ela é
vista sob a luz dos pressupostos e métodos utilizados, até esse momento, pela
escola de Bultmann. Käsemann admitia que os evangelhos sinópticos são
documentos primordialmente teológicos, cujas declarações teológicas muitas
vezes são expressas de forma histórica. Neste ponto, ele simplesmente aderiu e
recapitulou os principais axiomas da escola de Bultmann, que aqui se baseavam nas
idéias de Káhler e Wrede.
Entretanto, Käsemann foi mais além, ao definir essas declarações de forma
mais específica. De acordo com ele, apesar da preocupação dos evangelistas ser evidentemente
de ordem teológica, eles ainda assim acreditavam que tinham acesso às
informações históricas sobre Jesus de Nazaré, as quais foram expressas e incorporadas
no texto dos evangelhos sinópticos. Logo, os evangelhos abrangiam tanto o kerygma
quanto a narrativa histórica.
Käsemann, a partir dessa ótica, defende a necessidade de examinar uma
linha de continuidade que se estabelece entre a pregação de Jesus e a pregação sobre
Jesus. Existe uma descontinuidade evidente entre o Jesus terreno e o Cristo
exaltado e proclamado; contudo, uma linha contínua os ligava mutuamente, pois o
Cristo proclamado já se encontrava de certa forma presente no Jesus histórico.
Käsemann não está sugerindo que devamos empreender uma nova busca do
Jesus histórico, com a exclusiva finalidade de fornecer uma legitimação histórica
para o kerygma. Muito menos teve ele a intenção de sugerir que a
descontinuidade existente entre o Jesus histórico e o Cristo proclamado requeria
uma desconstrução do último nos termos do primeiro. Antes, Käsemann estava
destacando o fato de as declarações teológicas sobre a identidade do Jesus terreno
e do Cristo exaltado encontrarem-se historicamente alicerçadas nos atos e na
pregação de Jesus de Nazaré.
Conforme ele alega, o enunciado teológico depende da demonstração
histórica de que o kerygma concernente a Jesus ou à proclamação do evangelho já
existia de uma forma embrionária no ministério de Jesus. Portanto, uma vez que
o kerygma contém certos elementos de caráter histórico, a busca da relação
entre o Jesus histórico e o Cristo da fé torna-se algo perfeitamente adequado e
necessário.
No entanto, ficará evidente que a “nova busca
do Jesus histórico” apresenta uma diferença qualitativa em relação à
desacreditada busca empreendida no século XIX. O argumento principal de Käsemann
baseia-se no reconhecimento de que a descontinuidade existente entre o Jesus da
história e o Cristo da fé não implica, necessariamente, o fato de que sejam
duas pessoas completamente diferentes, não havendo qualquer relação entre o
primeiro e o último. Antes, é possível reconhecer o kerygma nas ações e na
pregação de Jesus de Nazaré, o que demonstra a existência de uma continuidade
entre a pregação de Jesus e a pregação sobre Jesus. Enquanto a busca anterior
assumia a existência de uma descontinuidade entre o Jesus da história e o
Cristo da fé, que implicava no reconhecimento deste último como uma ficção que
precisava ser reconstituída à luz da investigação histórica objetiva, Käsemann ressaltava
que esta reconstituição não era necessária, nem possível. A noção crescente
acerca da importância deste ponto levou ao surgimento de um forte interesse na
questão das raízes históricas do kerygma. Quatro correntes importantes devem
ser destacadas:
1- Joaquim Jeremias, provavelmente o representante da posição mais
radical nesse debate, parecia sugerir que a base da fé cristã encontrava-se
naquilo que Jesus efetivamente havia dito e feito, à medida que isso pudesse
ser definido pela pesquisa teológica. Assim, a primeira parte de sua obra, Teologia
do Novo Testamento, foi totalmente dedicada à “proclamação de Jesus” como o
elemento central da teologia do Novo Testamento.
2- O próprio Käsemann situou a linha de continuidade existente entre o
Jesus histórico e o Cristo kerygmático em suas declarações comuns sobre a
chegada do escatológico reino de Deus. Tanto na pregação de Jesus quanto no kerygma
da igreja primitiva o tema da vinda do reino de Deus é central.
3- Como vimos anteriormente, Gerhard Ebeling situava essa linha de
continuidade na idéia da “fé de Jesus” – que ele concebia como análoga à “fé de
Abraão” (descrita em Rm 4) – uma fé prototípica, paradigmática, que fora
historicamente exemplificada e incorporada por Jesus de Nazaré e que era
proclamada aos fiéis contemporâneos como algo possível.
4- Günter Bornkamm ressaltava de forma mais específica a evidente nota de
autoridade presente no ministério de Jesus. Em Jesus, a realidade de Deus confronta
a humanidade e a desafia a tomar uma decisão radical. Enquanto Bultmann situava
a essência da pregação de Jesus na vinda futura do reino de Deus, Bornkamm
trouxe esta ênfase do futuro para o confronto presente dos indivíduos com Deus,
por intermédio da pessoa de Jesus. Tanto no ministério de Jesus quanto na
proclamação sobre Jesus o tema do “confronto com Deus” é evidente, o que
estabelece uma importante ligação de ordem teológica e histórica entre o Jesus
terreno e o Cristo proclamado.
Dessa forma, vemos que a “nova busca do Jesus histórico” estava voltada
para uma ênfase sobre a questão da continuidade existente entre o Jesus da
história e o Cristo da fé. Enquanto a “busca anterior” tinha como principal
objetivo a desconstituição do perfil de Cristo construído pelo Novo Testamento,
a “nova busca” acabou por consolidá-lo, ao destacar as continuidades existentes
entre a pregação do próprio Jesus e a pregação da igreja sobre Jesus.
Desde então, tem havido novos progressos nesse campo. Nas décadas de 1970
e 1980, o foco da atenção voltou-se em particular para a exploração da relação existente
entre Jesus e o contexto em que ele viveu, o judaísmo do século I. Esta corrente,
particularmente associada a nomes como os dos escritores inglês e
estadounidense, Geza Vermes e E. P. Sanders, renovou o interesse pela origem
judaica de Jesus, enfatizando ainda mais a importância da história em relação à
cristologia. A abordagem de Bultmann – que desvaloriza o peso da história para
a cristologia – é descartada por muitos, ao menos nesse período. Isso pode ser
notado pelo novo interesse na figura do “Jesus histórico”, tradicionalmente
associado ao movimento que veio a ser posteriormente conhecido como a “terceira
busca”.
A terceira busca
do Jesus histórico
Desde o fracasso generalizado da “nova busca”, na década de 1960,
surgiram diversas obras dedicadas à reavaliação da figura do Jesus histórico. A
expressão “a terceira busca” enquadra-se geralmente nesta categoria. Essa
designação tem sido questionada por vários autores, que destacam o fato de que
as obras e os estudos definidos sob esta expressão não possuem tanto em comum
para que possam ser assim classificados. Apenas como exemplo, podemos citar a
questão de que alguns dos autores pertencentes a esse grupo apelam em suas
análises a fontes estranhas ao Novo Testamento, em especial ao Evangelho
cóptico de Tomás, ao passo que outros autores se restringem em suas análises ao
material do Novo Testamento, em particular aos evangelhos sinópticos. Apesar
dessa restrição, parece que a expressão tem obtido uma aceitação crescente,
sendo apropriado, portanto, sua inclusão em nossa análise.
A “busca original” abordava as estórias de Jesus à luz de uma série de pressupostos
intensamente ligados ao racionalismo, herdados do Iluminismo, os quais
eliminavam a dimensão do milagre nas narrativas dos evangelhos. A “nova busca”
tinha a tendência de concentrar-se nas palavras de Jesus, destacando a continuidade
existente entre a pregação do próprio Jesus e a proclamação sobre Jesus
registrada no Novo Testamento. A “terceira busca” parece se concentrar na questão
da relação entre Jesus e seu contexto judaico como fator indicativo do caráter
particular de sua missão, de sua visão e de seus propósitos. Dentre as contribuições
mais significativas à “terceira busca”, devemos destacar as seguintes:
1- John Dominic Crossan, que defende a tese de que Jesus foi
essencialmente um pobre camponês judeu cujo interesse especial era desafiar as
estruturas de poder que dominavam a sociedade de sua época. Em suas obras, O Jesus
histórico (1991) e Jesus: uma biografia revolucionária (1994), este autor alega
que Jesus rompeu com as convenções sociais dominantes, especialmente ao
assentar-se com pecadores e pessoas marginalizadas pela sociedade.
2- Marcus L. Borg, nas obras Jesus: uma nova visão (1988) e Meeríng Encontrando
Jesus novamente pela primeira vez (1994), sugere que Jesus fora um filósofo
subversivo empenhado em renovar o judaísmo, de forma que veio a representar um
grande desafio à elite religiosa dominante.
3- Burton L. Mack, em suas obras, Mito da inocência (1988) e O Evangelho
perdido (1993), defende que Jesus foi um filósofo individualista que seguia os
padrões do cinismo de Antístenes de Atenas. Como tal, isto é, como um “cínico
filósofo helenista”, Jesus tinha pouco interesse por questões específicas do
judaísmo (como o local do templo, ou a posição da lei); antes, dedicava-se a
identificar e escarnecer das convenções estabelecidas pela sociedade de seu
tempo.
4- E. P. Sanders insiste que Jesus deve ser visto como um profeta que se
preocupava com a restauração do povo judeu. Em obras como Jesus e o judaísmo (1985)
e A figura histórica de Jesus (1993), Sanders sugere que Jesus previra a
restauração escatológica de Israel. Deus pusera um fim ao presente século e
inaugurara uma nova ordem, centrada em um novo templo, em que o próprio Jesus agia
como representante e Deus.
5- N. T. Wright, na série As origens cristãs e questão de Deus, faz uma
apropriação crítica da abordagem de Sanders, ao mesmo tempo em que mantém a
noção de que a vinda de Cristo introduzira algo totalmente inédito, em especial
em relação à identidade do povo de Deus.
Os dois primeiros volumes dessa série – O Novo Testamento e o povo de
Deus (1992) e Jesus e a vitória de Deus (1996) – são, geralmente, consideradas obras
das mais relevantes na área dos recentes estudos do Novo Testamento.
Nesta breve análise da obra de alguns autores representantes da “terceira
busca”, fica evidente a ausência de um núcleo teológico ou histórico coerente
nesta corrente. Existe grande divergência quanto à possibilidade de Jesus ser
visto em confronto com um contexto judeu ou helênico; acerca da atitude de
Jesus frente à lei judaica e às instituições religiosas; quanto à visão de
Jesus sobre o futuro de Israel; e o que Jesus significava em relação a esse
futuro. Entretanto, essa expressão alcançou ao menos um certo grau de
aceitação, apesar de suas falhas, e é provável que permaneça como parte
integrante da discussão acadêmica a respeito deste importante tema.
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Estilo de Normalizar Citação De Acordo com as Normas da ABNT para Trabalhos Acadêmicos.
RUBENS, David. Jesus Histórico: breve relato das buscas. http://biblicoteologico.blogspot.com.br/2015/07/jesus-historico-breve-relato-das-buscas.html. Acesso em: _____________.
Alguém já ouviu falar de uma Iemanjá histórica? Não? Claro, não faz o menor sentido. Então por que o Jesus histórico faz? O que já foi feito para dar sentido a essa crença é de dar medo.
ResponderExcluir“A verdade histórica é a mais ideológica de todas as verdades científicas [...]Os termos de subjetivo e de objetivo já não significam nada de preciso desde o triunfo da consciência aberta [...]. A verdade histórica não é uma verdade subjetiva, mas sim uma verdade ideológica, ligada a um conhecimento partidário”. (ARON cit. por Marrou, s/ data, p. 269)
Se a fé nunca dependeu da história, porque fazem tanta questão desta última? Por que insistem em preservar essa bruma que envolve os primeiros séculos do cristianismo? Não devia ser assim. No entanto, quando fazemos uma aproximação dos fatos com fatos e não com ideias, é possível outra conclusão.
http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/paguei-pra-ver
Parabéns pelo blog e pelos excelentes textos! Estou fazendo uma pesquisa no novo testamento com enfase no Jesus histórico e estou utilizando seus textos como diretrizes para a bibliografia
ResponderExcluirGostaria de saber se Albert Schweitzer não poderia ser encaixado aqui como um dos expoentes desta busca
ResponderExcluirObrigado por ler os meus textos, espero que realmente contribua para seus estudos. Forte Abraço!
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