quarta-feira, 19 de agosto de 2015

238 - Crítica das Formas e a obra de Rudolf Bultmann


Certamente Bultmann (1884-1976) foi o personagem mais influente no estudo do NT no séc. XX, combinando uma imensa erudição e pesquisa com um desejo profundamente pastoral de pregar uma mensagem significativa e relevante a seus contemporâneos num mundo onde não é mais fácil ter fé. Marburgo, o cenário da carreira docente de Bultmann, tornou- se uma Tübingen moderna na influência que exerceu sobre a teologia protestante. Em termos de mero volume, o trabalho de Bultmann se estendeu por um período de quase 50 anos e provocou o surgimento de uma biblioteca de literatura pró e contra.
Existem diversas influências dominantes distinguíveis no pensamento de Bultmann. De David Friedrich Strauss (1808-1874), Bultmann tomou o conceito de mito como a chave para a interpretação do NT. Ele aceitou a concepção sobre o caráter não messiânico da vida de Cristo e o gênio criador da pro-tocomunidade cristã. A escola da história da religião contribuiu com sua concepção sincretista da origem do cristianismo e com a suposição da influência penetrante do gnosticismo no mundo do NT. A crítica das formas contribuiu para a falta de interesse de Bultmann no Jesus histórico. Mas por baixo desses diversos elementos e como fator produtor de sua unidade básica, podem-se encontrar no cerne do pensamento de Bultmann e presente em toda a sua obra, duas influências principais: um luteranismo consistente e o existencialismo de Martin Heidegger (1889-1976).
O luteranismo é uma constante no pano de fundo e na orientação do pensamento de Bultmann. Ele pode ser discernido facilmente em sua forte ênfase evangélica na pregação da palavra. Mas o luteranismo de Bultmann ia mais fundo, pois ele entendia seu próprio empreendimento teológico como uma conclusão lógica da doutrina reformada da justificação somente pela fé. Aqui reside a razão teológica da falta de interesse de Bultmann no Jesus histórico, pois procurar uma base histórica para a fé seria trair o princípio da sola fide [somente pela fé]. A desconfiança de Bultmann na busca por uma base objetiva para a fé subjaz, assim, a seu profundo ceticismo a respeito da historicidade dos relatos dos evangelhos e sua consequente desistorização do querigma. Em sua concepção, a única história que encontramos no querigma é Dass, o mero fato da existência e da morte por crucificação do homem Jesus de Nazaré. A Palavra que nos interpela no querigma é, portanto, o fundamento, bem como o objeto, da fé. A definição bultmanniana da fé em termos de opção e decisão pessoal, como um ato da vontade e não do intelecto, é um legado tanto de Lutero quanto de Heidegger. O conceito bultmanniano atenuado de igreja como pouco mais do que a arena na qual a palavra é pregada e ouvida tem suas raízes no individualismo de Lutero.
Heidegger e Bultmann foram colegas em Marburg de 1923 a 1928, e Bultmann admitia prontamente a influência que o pensamento de Heidegger, particularmente formulado em Ser e tempo teve sobre sua teologia. Um exemplo, a título de ilustração, é a interpretação de Bultmann acerca da teologia paulina mediante o conceito heideggeriano da transição da existência inautêntica para a autêntica. Tanto Heidegger quanto Bultmann distinguiam a existência inautêntica (vida humana cativa da ilusória segurança de um mundo moribundo) e a existência autêntica, que, para Heidegger, se alcança pela decisão pessoal. Para Bultmann, a existência autêntica é um dom de Deus alcançado pelo abandono da adesão a este mundo e pela abertura à palavra da graça perdoadora anunciada no querigma. Observamos que entre os discípulos de Bultmann a filosofia de Heidegger permaneceu uma questão candente.

Bultmann como crítico das formas
Trabalhando a partir das conclusões de Schmidt e Dibelius, Bultmann aplicou o método da crítica das formas em História da tradição sinótica (em alemão: 1921; em inglês: 1963). Contrariamente à abordagem mais conservadora de Dibelius, as investigações críticas das formas de Bultmann não são apenas um meio de classificação literária, mas devem levar a juízos sobre a historicidade dos relatos e a genuinidade dos ditos que se encontram na tradição. Seu ceticismo com relação à confiabilidade histórica se evidencia no fato de que ele atribui a maior parte da tradição à imaginação criadora das comunidades protocristãs. Ele encontra o material genuíno principalmente nos ditos de Jesus. Mas esta genuinidade não se estende aos contextos desses ditos nos evangelhos, a situação no evangelho, que é criação da tradição posterior, especialmente dos próprios evangelistas.

Bultmann como teólogo
A contribuição teológica mais notável de Bultmann foi na área da hermenêutica. Embora muitos discordem violentamente de suas propostas de solução, todos admitem que Bultmann lidou com um problema real, a saber, a dificuldade de comunicar a mensagem cristã no séc. XX. Como teólogo, a principal preocupação de Bultmann era que a mensagem do NT deveria desafiar as pessoas, e não impedi-las de tomar uma decisão existencial por causa de sua linguagem mitológica.

Acompanhe a continuação do estudo na próxima postagem...

David Rubens


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Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.